Para que sua ordem para apagar fotos em uma
audiência fosse cumprida, uma juíza de Mato Grosso ameaçou jornalistas de
prisão. A situação aconteceu durante o depoimento de um empresário em um
processo que apura fraude em licitações. A juíza Selma Rosane Santos Arruda deu
30 segundos para que os jornalistas presentes removessem as imagens publicadas
em seus sites. Quem não cumprisse, poderia ser preso.
As imagens foram feitas no depoimento do
empresário Giovani Guizardi, delator em processo que apura fraudes em
licitações de escolas no estado. Na sessão, jornalistas tiraram fotos do
colaborador, e logo as colocaram nos sites de seus veículos.
Guizardi não se opôs às imagens, conforme o
site Circuito Mato Grosso. Porém, no meio da audiência, seu advogado pediu que
os repórteres não divulgassem tais fotos. Então, a juíza ordenou que os
veículos retirassem do ar tais arquivos em 30 segundos.
“Se não retirar, vou mandar prender”, disse
Selma. Assim, os jornalistas foram forçados a excluir essas fotos dos sites. Enquanto
não concluíram essa tarefa, foram pressionados pela juíza, na frente de todos
os presentes na audiência.
Para a seccional da Ordem dos Advogados do
Brasil, a conduta de Selma é “inaceitável” e fere o direito à informação dos
cidadãos. A OAB-MT ainda disse que a prisão não pode ser banalizada como “mera
ameaça”. Acrescentou que o cerceamento de atividade profissional é abuso de
autoridade, conforme artigo 3º, alínea “j”, da Lei 4.898/65, apontou a entidade
— leia abaixo a íntegra da nota da entidade.
Ofensiva contra a imprensa
Jornalistas e veículos brasileiros vêm
sofrendo ataques (e derrotas) nos tribunais que violam os princípios
constitucionais de liberdade de imprensa e resguardo ao sigilo da fonte.
Em maio, ao proibir que o jornalista Marcelo
Auler publicasse reportagens com “conteúdo capaz de ser interpretado como
ofensivo” a um delegado federal, a juíza Vanessa Bassani, do Paraná, praticou
censura prévia e contrariou entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o
assunto.
No início do ano, três repórteres, um
infografista e um webdesigner da Gazeta do Povo, do Paraná, sofreram 41
processos em 19 cidades do estado por juízes e promotores que se sentiram
ofendidos com a divulgação de reportagens que mostravam que eles recebiam
remunerações acima do teto do funcionalismo.
Em ação coordenada, todos as petições foram
idênticas, pedindo direito de resposta e indenizações por danos morais, que
somam R$ 1,3 milhão. De acordo com a Gazeta, os pedidos são sempre no teto do
limite do juizado especial, de 40 salários mínimos. Como corre no juizado, a
presença dos jornalistas em cada uma das audiências se torna obrigatória. As
ações foram suspensas no Supremo pela ministra Rosa Weber — o mérito ainda não
foi julgado.
Já o Diário da Região, de São José de Rio
Preto, e seu jornalista Allan de Abreu tiveram seus sigilos telefônicos
quebrados por ordem da 4ª Vara Federal da cidade. O objetivo era descobrir quem
informou à imprensa detalhes de uma operação da Polícia Federal deflagrada em
2011. A decisão foi suspensa liminarmente pelo ministro Ricardo Lewandowski. A
liminar foi cassada por Dias Toffoli e um pedido de vista do ministro Gilmar
Mendes suspendeu o julgamento da ação ajuizada pela Associação Nacional dos
Jornais.
O jornalista Murilo Ramos, da revista Época,
também teve seu sigilo telefônico quebrado, em decisão da juíza Pollyanna Kelly
Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília. A medida foi adotada para apurar quem
havia passado para a revista um relatório do Conselho de Controle das
Atividades Financeiras (Coaf) com nomes de pessoas suspeitas de manter dinheiro
irregularmente no exterior.
Além disso, por ter publicado o valor do
salário de um servidor público que atua como contador na Câmara Municipal de
Corumbá (MS), Erik Silva, editor-chefe do site Folha MS, está sendo processado
por calúnia, injúria e difamação. O jornalista colheu e interpretou dados que
estavam disponíveis no Portal da Transparência, constatando que o profissional
lotado no órgão Legislativo recebeu, em março, vencimentos de mais de R$ 45 mil
— acima do teto permitido por lei, de R$ 33,7 mil, correspondente ao salário
dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A mesma notícia sobre uma denúncia contra
três empresários na Bahia já rendeu duas condenações à prisão e mais um
processo contra o jornalista Aguirre Talento. Todas as queixas-crimes o acusam
de difamação, com petições redigidas de forma semelhante, e foram distribuídas
no dia 2 de junho de 2011, assinadas pelo mesmo advogado e hoje nas mãos do
mesmo juiz. Talento foi condenado a seis meses e seis dias de prisão, em 31 de
outubro, e ao mesmo período, em decisão de abril de 2014. O terceiro caso já
passou da fase das alegações finais.
Leia a íntegra da nota da OAB-MT:
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional
Mato Grosso repudia veementemente as ameaças sofridas por jornalistas, durante
cumprimento de seu exercício profissional, em audiência de instrução e
julgamento na 7º Vara Criminal de Cuiabá na tarde desta segunda-feira (12).
Conforme noticiado pela imprensa, a juíza
Selma Rosane Santos Arruda ameaçou prender os jornalistas que acompanhavam a
audiência caso não retirassem, no prazo de 30 segundos, fotos do interrogado
publicadas nos veículos de comunicação.
A magistrada acatou o pedido da defesa para
que não fossem realizadas imagens durante a audiência. Na cobertura do caso de
grande repercussão social, os jornalistas registraram a chegada do interrogado,
sem qualquer oposição de sua parte ou de seu advogado no ato.
Durante a audiência de instrução, a juíza
constatou que as fotos feitas antes de seu início estavam publicadas nos
veículos de comunicação e, assim, declarou aos jornalistas que estavam
presentes, que caso as imagens não fossem retiradas dos veículos no prazo de 30
segundos, mandaria prendê-los.
Repórteres que exerciam sua função de
divulgar os fatos para a sociedade chegaram a deixar o local depois da ameaça,
impedindo seus leitores de acompanhar o desfecho da audiência.
É inaceitável, no momento que vivenciamos em
todo o país, inclusive em que não são raros os ilegais e repudiáveis vazamentos
de acordos e sigilos telefônicos em grandes operações, que os profissionais que
possuem o dever de informar a sociedade tenham seus direitos intimidados e,
cerceando assim, o direito do cidadão à informação.
De acordo com o artigo 3º, alínea “j”, da Lei
nº 4.898/65, constitui crime de abuso de autoridade qualquer atentado aos
direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
A Ordem, como advogada da sociedade, defende
a observância legal dos limites de atuação, tanto por parte dos operadores do
Direito, quanto dos profissionais de Comunicação.
A prisão é o instituto penal máximo deste
país e, portanto, deve ser tratada com seriedade, fazendo valer para o estrito
cumprimento da lei, nos casos por ela previstos e em conformidade com o
processamento penal vigente neste país. Não pode, desta forma, ser banalizada
como mero instituto de ameaça”.
Fonte: Revista Consultor Jurídico