Governo federal planeja construir São Luiz do
Tapajós, a maior das várias barragens projetadas para o rio
O Ministério Público Federal (MPF) no Pará
promoveu, em Itaituba, no oeste do Pará, audiência pública para discutir os
impactos das barragens projetadas para o rio Tapajós, um dos principais
afluentes do Amazonas, na região oeste do Pará. Em meio a pronunciamentos de
cientistas, ambientalistas e povos e comunidades afetados, representantes da
Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(Ibama) apresentaram a situação atual do licenciamento da usina. “Não existe
mais próximo passo desse processo dentro do Ibama. Agora esperamos a
manifestação conclusiva da Funai”, disse Hugo Américo, superintendente do órgão
no estado.
O Ibama suspendeu oficialmente o
licenciamento da usina São Luiz do Tapajós no último mês de abril, após receber
pareceres técnicos da Funai que mostravam impedimentos constitucionais para a
continuidade do processo. Tais pareceres somente foram anexados ao processo de
licenciamento junto ao Ibama após reunião entre o MPF e a FUNAI, em fevereiro
deste ano. A Constituição brasileira veda a remoção de povos indígenas de suas
terras originárias e, após um longo atraso provocado por pressões do setor
elétrico, finalmente a Funai reconheceu como indígena o território de Sawré
Muybu, que seria alagado em caso de construção da barragem. “O parecer da Funai
sobre a usina cumpre a Constituição”, disse a representante da instituição,
Tatiana Fajardo.
Fajardo também ressaltou que mesmo que a
usina seja completamente paralisada, já houve impactos sobre as populações
indígenas, até mesmo na confecção dos estudos, que só foram realizados com
forte presença de homens armados da Força Nacional na região. Houve conflitos
entre índios e pesquisadores que entraram sem autorização em suas terras e a
pressão sobre lideranças por parte de
representantes do governo causou discórdias entre os Munduruku, “A questão indígena é preponderante agora e
trava o processo”, disse o superintendente, que foi muito cobrado pelos
presentes, principalmente indígenas e ribeirinhos, sobre um cancelamento
defintivo do projeto de São Luiz do Tapajós. “Nós já tivemos impactos, vocês
deviam ter cancelado desde o começo. A gente não quer suspensão, quer o
cancelamento”, disse Alessandra Akai Munduruku.
A Funai enviou ao Ibama um parecer técnico e
outro jurídico. O jurídico sustenta que há obstáculo na Constituição que impede
prosseguir o licenciamento da usina. “O parecer diz que o licenciamento carece
de legalidade. A posição da Funai está clara: o processo não pode prosseguir
porque há ilegalidade”, disse Tatiana Fajardo.
Os pareceres da Funai, assim como a suspensão
do licenciamento pelo Ibama, respondem a reivindicações que os índios Munduruku
vem expondo à sociedade brasileira desde o início do licenciamento da usina São
Luiz do Tapajós. O MPF também apontou à Justiça em ações judiciais as
ilegalidades da usina, agora admitidas na esfera administrativa.
“Inconstitucionalidade não se repara com suspensão e sim com cancelamento”,
disse durante a audiência o procurador da República Camões Boaventura.
Críticas – Durante toda a audiência, que não
teve a presença do setor elétrico – convidados, nem Eletrobrás, nem Ministério
de Minas e Energia mandaram representantes – cientistas, autoridades,
ambientalistas e população local se revezaram em críticas ao projeto da usina e
temores provocados pelas outras experiências com hidroelétricas na Amazônia,
principalmente as barragens construídas no Xingu, Tocantins, Madeira e Teles
Pires.
O médico Erik Jennings e a professora
Liz-Carmen Pereira, ambos estudiosos dos efeitos do mercúrio na população do
Tapajós, deram um panorama do que pode acontecer com a construção de barragens
no rio, onde o problema já é considerado grave por causa da mineração e recebe
atenção de pesquisadores tanto da Amazônia como de outros países, a exemplo do
Canadá e do Japão. “Essa usina que querem construir não vai ser de produção só
de energia, vai ser uma usina de produção de metilmercúrio”, diz Erik Jennings,
médico e estudioso do tema. O solo da Amazônia em geral é rico em mercúrio e o
alagamento de áreas torna esse mercúrio, na natureza inerte, em um veneno
violento. “Barragem e mercúrio podem resultar em uma catástrofe ambiental,
disse a professora Liz-Carmen.
Danicley Aguiar do Greenpeace, que coordenou
a realização de uma análise sobre o estudo de impactos ambientais da usina, fez
várias críticas ao documento apresentado pelas empreiteiras ao Ibama. “O estudo
de impacto ambiental não apresenta a totalidade dos impactos e se você não define
corretamente os impactos, é impossível apontar a mitigações. Sobre povos
indígenas e ribeirinhos o estudo é tendencioso, procura invisibilizar as
populações ribeirinhas e minimizar os impactos aos indígenas”, disse.
O assessor do MPF, Rodrigo Oliveira, que
acompanha desde 2012 os esforços dos índios Munduruku para terem respeitado o
direito à consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 apontou
os vários subterfúgios do governo para não cumprir a Convenção. “Desde 2012 há
decisão judicial ordenando a consulta. Se tivessem iniciado aí, já teriam feito
uma consulta apropriada”, diz Oliveira. A consulta apropriada, prevista na
Convenção 169, exige respeito aos costumes e à língua, assim como à organização
política dos consultados.
Iury Paulino, do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) e Letícia Arthuzzo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), expuseram
ao público o grave passivo humano e ambiental provocado pela usina de Belo
Monte no Xingu. Paulino pediu ao superintendente do Ibama que se cancele
qualquer novo empreendimento até que o estado consiga resolver os problemas que
causou em Altamira e Tucuruí. “A construção de barragens segue os mesmos
métodos de Tucuruí e Belo Monte. A mesma violação de direitos. O atingido é
considerado um custo, não uma pessoa. Para um grande empreendimento, é um custo
a ser eliminado”, disse.
Fonte: RG 15/O Impacto e MPF
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