Quando Dilma Rousseff disse "confio e
sempre confiei" no vice-presidente Michel Temer, pois "não tem que
desconfiar dele um milímetro", sabia que essa era uma construção da
realidade própria na qual é capaz de viver. Nela, doutorou-se em economia pela
Universidade de Campinas, foi presa por delito de opinião e, como se sabe, o
país vive o momento da "Pátria Educadora".
As pedaladas fiscais foram uma mentira
contábil, o Trem-Bala e a ferrovia chinesa que uniria o Atlântico ao Pacífico
foram delírios palacianos. Mesmo admitindo-se que todos os governos mentem, o
perigo não está apenas nas patranhas, mas no mentiroso que acredita no que diz
ou se julga livre para dizer qualquer coisa, dando por entendido que se deve
acreditar nele.
Enquanto a doutora derramava sua confiança em
Michel Temer, estava a caminho do Planalto uma carta do vice-presidente na
qual, fugindo ao seu estilo aveludado, disse o seguinte: "Sei que a
senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã".
Dizer que essa é uma carta de rompimento é
pouco. Temer pintou-se para a guerra e tornou-se, ao lado do deputado Eduardo
Cunha, o principal estímulo ao impedimento da doutora. Já houve caso de
vice-presidente (Aureliano Chaves) que, conversando com outra pessoa (o general
Ivan Mendes), ameaçou meter a mão na cara do titular (João Batista Figueiredo).
Carta como a de Temer é coisa que nunca se viu.
Pode-se pensar o que se queira de Temer, mas
deve-se reconhecer que ele listou fielmente oito episódios em que foi
maltratado pela doutora. No mais grotesco, a falta de confiança foi explicitada
quando ela puxou-lhe o tapete depois de pedir-lhe que assumisse a coordenação
política do governo. Vale lembrar que Temer não precisava do lugar e a manobra
poderia ter dado certo, estabilizando o governo. No episódio mais ridículo,
Dilma permitiu, na semana passada, que o comissariado do Planalto divulgasse
uma versão falsa do teor de uma conversa que os dois tiveram. Nela, Temer teria
oferecido seus préstimos para deter o processo de impedimento. Era mentira.
Seria injusto atribuir todas essas situações à doutora. O bunker petista do
Planalto também opera num mundo próprio.
A queixa central de Temer está na hostilidade
do comissariado para com o PMDB. É esse o nó que Dilma amarrou ao próprio
pescoço. Logo depois de reeleita, ela aceitou a formulação de que o governo
podia se afastar do valioso aliado. Isso seria possível, assim como seria
possível eleger o petista Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara, derrotando
Eduardo Cunha. Deu no que deu.
Desde agosto, quando Temer disse que se fazia
necessário buscar "alguém" que tivesse "a capacidade de
reunificar a todos", Dilma passou a desconfiar quilômetros de seu vice. Os
dois dançaram uma coreografia da enganação, com Temer esclarecendo que fora mal
interpretado e ela aceitando a explicação pois, mais uma vez, a culpa teria
sido da imprensa. Depois da carta de Temer, não se pode mais falar que há uma
conspiração contra a permanência de Dilma Rousseff na Presidência. O processo
para que a Câmara vote sua deposição segue o ritual do regimento, e o
vice-presidente da República assumiu a condição de pretendente ao trono.
Por: ercio
Por Elio Gaspari - Folha de SP
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