MST e Cimi mostram indignação com entrevista da recém-empossada ministra da Agricultura e antecipam diálogo difícil entre interesses do agronegócio e questão fundiária
Movimentos sociais ligados à questão agrária
e indígena reagiram com indignação às declarações da recém-empossada ministra
da Agricultura, Kátia Abreu, que, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo,
divulgada nesta segunda (5), afirmou que, no Brasil, “latifúndio não existe
mais” e que os conflitos entre agricultores e povos originários ocorrem porque
“os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção” (sic).
Ministra amplia polêmica por sua indicação à
Agricultura ao dizer que 'latifúndio não existe mais'
Na polêmica entrevista, a ministra nomeada
dentro do que os meios de comunicação chamam de “cota pessoal de Dilma
Rousseff” diz que recebeu da presidenta reeleita a missão de “revolucionar” o
agronegócio. Prometeu “criar uma nova classe média no campo”, ainda que tenha
“que fazer igual babá, decidir o que vai produzir”. E afirmou que o governo irá
construir hidrovias para a iniciativa privada tocar. “Temos de apostar tudo na
privatização”, ressaltou.
A reação foi imediata. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) trancou as principais rodovias de Mato
Grosso do Sul (as Brs 163, 267 e 262), como parte da mobilização iniciada desde
a posse da nova ministra, em 1/1. Além de reivindicar reforma agrária imediata,
o movimento contesta a nomeação da ruralista, ex-presidente da Confederação
Nacional da Agricultura (CNA), que, segundo ele, representa o que o Brasil tem
de mais atrasado no setor.
De acordo com o MST, Kátia Abreu tem raízes
em um segmento que tem a terra como um instrumento de poder e reserva de
patrimônio, sem vocação para a produção, sem qualquer responsabilidade com a
preservação do meio ambiente e que vê no fortalecimento da agricultura uma
oportunidade para especulação, tanto para vender a propriedade como para o
arrendamento.
“Atualmente temos 90 mil famílias do MST
acampadas em todo o país, mais de três mil no estado [MS], hectares sem fim do
latifúndio que podem virar assentamentos. Não podemos fechar nossos olhos para
a necessidade de irmos às ruas exigir a reforma agrária popular e democrática.
Queremos a terra e condições dignas para produzirmos”, esclareceu Marina
Ricardo Nunes, da coordenação nacional do MST.
Latifúndio sim Na sua página oficial, o MST
contra argumentou a posição da nova ministra de que no país não há mais
latifúndio. Segundo o movimento, o cadastro de imóveis do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) aponta, inclusive, que a concentração de
terra e a improdutividade vem crescendo.
Pelo levantamento, feito a partir de
auto-declaração dos proprietários, os latifúndios ocupam 55,8% do total de
áreas, número que cresceu 48,4% entre 2003 e 2010. Os dados mais recentes
apontam que 130 mil proprietários de terras concentram 318 milhões de hectares.
Em 2003, eram 112 mil proprietários com 215 milhões de hectares. Portanto, são
mais de 100 milhões de hectares nas mãos de poucos.
Ainda de acordo com o estudo, os
latifundiários possuem, em média, 2,4 mil hectares de terras cada. E um hectare
de terra corresponde a pouco mais do que um campo de futebol. Portanto, é, sim,
muita coisa. O levantamento mostra também que, desse total de terras
concentradas nas grandes propriedades, 40% são improdutivas.
Indigenistas Em nota, o Conselho Missionário
Indigenista (Cimi) repudiou a afirmação da nova ministra de que são os índios
que invadem as terras produtivas, classificada por ele de “ridícula”,
“esdrúxula” e “tão descabida e desconectada da realidade do nosso país só pode
ser fruto de uma total ignorância e de uma profunda má fé”.
“Quem realmente conhece a história de nosso
país sabe que não são os povos indígenas que saíram ou saem das florestas. São
os agentes do latifúndio, do ruralismo, do agronegócio que invadem e derrubam
as florestas, expulsam e assassinam as populações que nela vivem”, diz o
documento.
O Cimi condenou também as afirmações de Kátia
Abreu que negam a necessidade da reforma agrária. “Não satisfeita em atacar,
bem no início do ‘novo’ governo Dilma, os povos indígenas, a representante do
latifúndio tenta ainda pôr uma ‘pá de cal’ sobre o inexistente processo de
reforma agrária no Brasil e esgrime descaradamente a tese de que no Brasil não
existiria mais latifúndio”, sustentam.
Na avaliação do movimento, “a ministra Kátia
Abreu, além de revelar prepotência e cinismo, demonstra claramente que está no
governo Dilma para pisotear os direitos daqueles que lutam pela distribuição
equânime da terra, pelos direitos dos povos indígenas, quilombolas, comunidades
tradicionais, camponeses e pelo meio ambiente”.
O Cimi também critica a presidenta reeleita,
Dilma Rousseff por não atender às manifestações de amplos setores da sociedade
brasileira que se pronunciaram contra a nomeação de Kátia Abreu e convocam os
movimentos sociais à luta. “O latifúndio, o ruralismo e o agronegócio não têm
limites. Diante de tamanha insensatez e insensibilidade, não resta outra
alternativa aos povos senão dar continuidade ao processo de articulação,
mobilização e luta em defesa de suas terras e de suas vidas”, conclui a nota.
Por: Najla Passos
Fonte: Rede Brasil Atual
Nenhum comentário:
Postar um comentário