A criação do Instituto Nacional de Saúde
Indígena (INSI) não partiu apenas do Ministério da Saúde. De acordo com
informações conseguidas com exclusividade pelo Cimi, a minuta do instituto foi
montada “por três técnicos do Ministério do Planejamento” como arranjo
administrativo e jurídico do governo federal para justificar a não realização
do concurso público para a saúde indígena.
O objetivo seria desregulamentar o setor, introduzindo
o processo de terceirização e privatização. Os termos do INSI seguem os moldes
da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil),
em 2004, e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Anater), instituída pela presidente Dilma Rousseff no final de maio deste ano.
“De serviço público essas instituições não tem nada, apenas um contrato de
gestão com o poder público”, critica fonte do governo federal consultada pelo
Cimi.
Em reuniões no Ministério do Planejamento,
esta fonte chegou a ouvir que o concurso para a saúde indígena “jamais vai
sair”. Conforme as informações apuradas, a proposta do instituto então não foi
formulada a partir da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do
Ministério da Saúde, que neste caso tem serventia apenas para convencer os
indígenas a apoiar a criação do instituto. A fonte justifica: “Ninguém estudou
(no Ministério da saúde) ou se preocupou com os índios para formular isso (o
instituto)”. De fato os problemas envolvendo a saúde indígena denotam a falta
de compromisso dos gestores da Sesai.
Os Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(DSEI) nunca foram estruturados para atender a demanda, observa a fonte, que
segue: “Há uma meia dúzia de velhos funcionários em desvio de função tentando
tocar o barco. Quantos profissionais o Ministério da Saúde contratou para os
DSEIs desde a criação da Sesai em 2010? Zero, e isso eles podem confirmar. Não
adianta dizer que aumentou o número de profissionais na ponta, via convênios
precários, se não investiu em nada no setor que faz a gestão da saúde. Como
fazer licitações e aquisições de insumos sem RH para isso? Milagre não existe”.
Com o sistema em frangalhos, a situação da
saúde nas aldeias um verdadeiro caos e as variadas pressões consequentes, o
instituto se mostrou como saída confortável para a Saúde e Planejamento. “O
único arranjo que permite a total desregulamentação do setor é a criação de uma
paraestatal como o INSI, que terá um contrato de gestão com o Ministério da Saúde.
É uma forma de ‘legalizar’ a terceirização de mão de obra e serviços que já vem
ocorrendo”, diz. A celeridade com que trabalham o secretário da Sesai Antônio
Alves e integrantes do Planejamento para a aprovação do INSI se justifica na
impossibilidade de novos acordos diante de ação civil pública pedindo a
realização do concurso.
A ação, que tramita na Justiça Federal, tem
como autores o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público
Federal (MPF). Os termos para a efetivação do concurso foram repactuados três
vezes “sem o ministério (da Saúde) realizar qualquer estudo de necessidade de
vagas nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas ou de um pedido da Sesai
pelo concurso”, apurou o Cimi junto a fontes consultadas.
“Justificativas de lei de licitações, regime
jurídico de servidores, DSEI’s sucateados, tudo isso já era de conhecimento de
todos em 2008 e 2009. O instituto não poderia ser criado em 2010? Por que a
mudança de ideia? Porque na época não havia pressão para fazer o concurso. A ação
na Justiça estava tramitando e rolando de um acordo para outro”, explica a
fonte. Entre 2008 e 2009, o Ministério da Saúde fez um diagnóstico da saúde
indígena para a criação da Sesai.
A ação civil pública, em suas intenções,
combate a precarização da saúde indígena e do exercício profissional aos que
nela trabalham. “Ironicamente a resposta do Ministério da Saúde é terceirizar
completamente o setor, ficando responsável apenas pela administração do
contrato de gestão”, ataca fonte do governo federal. Com efeito, a proposta do
INSI está pronta há tempos e não teve seus termos e intenções discutidos na 5a
Conferência Nacional de Saúde Indígena, ocorrida em Brasília no início de
dezembro do ano passado. “Dizer que os índios estão sendo consultados neste
processo é uma forma perversa de manipulação”, alerta.
Conformação de interesses
O apurado pelo Cimi dá conta de uma
conformação de interesses que permeia a criação do instituto. A proposta de
concurso público gera controvérsias entre alguns indígenas. Se aproveitando
desta questão, a Sesai apela para argumentos sensíveis aos povos, como o
respeito às organizações, autonomia e os preceitos da Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), para manter o atual modelo e
seguir destinando as vagas do serviço público aos esforços de alianças
políticas.
“O governo federal, percebendo a
oportunidade, usa de uma série de argumentos fracos e soltos para dizer que o
concurso não serve. Aos indígenas o governo diz: ‘para não fazer o concurso,
temos de criar o instituto’. Foi um golpe de mestre para regularizar e
perpetuar a terceirização de serviços no setor”, afirma fonte do governo
federal consultada pelo Cimi.
“Quer dizer que através de concurso público,
oferecendo todas as garantias previstas em lei eu não consigo preencher as
vagas, mas através de convênios precários (a forma utilizada hoje em dia) eu
consigo? Será que ser funcionário público é tão ruim assim que os profissionais
preferem um vínculo precário e o risco de serem despedidos a qualquer hora?”,
questiona a fonte.
A intenção do governo federal é aprovar o
instituto antes do término do atual mandato Executivo por intermédio de um
Projeto de Lei (PL) a ser apreciado pelo Congresso Nacional. Tudo indica que o
PL não teria dificuldades em tramitar com sucesso nas duas casas legislativas.
Nesse momento, de acordo com informações obtidas entre indígenas e governo
federal, um grupo tenta convencer os povos do Brasil a aceitar o instituto.
Por: Renato Santana
Fonte: Cimi
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