Juiz José Airton de Aguiar Portela
A Justiça Federal em Santarém, em decisão
inédita no Pará, declarou inexistente a Terra Indígena Maró, abrangida
parcialmente pela Gleba Nova Olinda, no município de Santarém.
Com isso, negou qualquer validade jurídica ao
relatório produzido pela Funai (Fundação Nacional do Índio), que identificou e
delimitou a área de 42 mil hectares (equivalente a 42 mil campos de futebol),
sob o fundamento de que ali viveriam índios da etnia Borari-Arapium.
Em sentença de 106 laudas, assinada no dia 26
de novembro, mas divulgada somente nesta quarta-feira (3), o juiz federal
Airton Portela, da 2ª Vara da Subseção de Santarém, se refere a elementos
extraídos principalmente de relatório antropológico de identificação, produzido
pela própria Funai, para concluir que as comunidades da Gleba Nova Olinda, área
que abrange a terra supostamente habitada pela tribo Borari-Arapium, são
formadas por populações tradicionais ribeirinhas, e não por índios.
Ao fundamentar a sentença, proferida nos
autos de duas ações, uma do Ministério Público Federal, outra de sete
associações que representam os interesses de populações tradicionais que ocupam
a região da Gleba Nova Olinda, o juiz aponta contradições e omissões nos laudos
da Funai.
Com base apenas na cronologia histórica, a
sentença demonstra, por exemplo, que a ser verdade uma das conclusões do laudo
antropológico, o pai de um dos líderes da comunidade Borari-Arapium teria nada
menos do que 140 anos à época do nascimento do filho, em 1980, na região hoje
compreendida pela Gleba Nova Olinda.
Airton Portela sustenta que antropólogos e
organizações não-governamentais induziram parte das populações tradicionais da
área a pedir o reconhecimento formal de que pertenceriam a grupos indígenas.
“O processo de identificação, delimitação e
reconhecimento dos supostos indígenas da região dos rios Arapiúns e Maró surgiu
por ação ideológico-antropológica exterior, engenho e indústria voltada para a
inserção de cultura indígena postiça e induzimento de convicções de
autorreconhecimento”, afirma o juiz federal.
Ao declarar a terra indígena inexistente, o
magistrado também ordenou que a União e a Funai se abstenham de praticar
quaisquer atos que declarem os limites da terra indígena e adotar todos os
procedimentos no sentido de demarcá-la.
A sentença determina ainda que não sejam
criados embaraços à regularização de frações de terras da Gleba Nova Olinda –
inclusive das comunidades São José III, Novo Lugar e Cachoeira do Maró,
formadoras da terra indígena declarada inexistente -, garantindo-se às famílias
de até quatro pessoas a regularização fundiária que, no mínimo, atenda ao
conceito de pequena propriedade.
De acordo com a sentença, a Funai e a União
não poderão criar obstáculos à livre circulação nas áreas que couberem a cada
família, assim como em relação às vias que lhas dão acesso, tais como vicinais,
ramais, rios e igarapés, tomando providências para que os moradores que se
autoidentificaram como indígenas não criem dificuldades nesse sentido.
O Estado do Pará deverá adotar medidas que
assegurem a liberdade de ir e vir em toda a região da Gleba Nova Olinda.
Requisitos
Portela ressalta que os requisitos da
tradicionalidade, permanência e originariedade, previstos na Constituição
Federal para o reconhecimento e demarcação de terras indígenas, não foram
demonstrados de forma sólida na ação proposta pelo MPF.
“No presente debate verifico a ausência, não
de apenas um, mas dos três elementos referidos e assim ergue-se obstáculo
constitucional insuperável que inviabiliza o reconhecimento de terra
tradicionalmente ocupada por indígenas”, diz o magistrado.
Os elementos apresentados à Justiça Federal
por técnicos contratados pela Funai, em lugar de comprovar a existência de
índios no Baixo Tapajós e Arapiúns, “antes revelam tratar-se de populações
tradicionais ribeirinhas (São José III, Novo Lugar e Cachoeira do Maró) e que
em nada se distinguem das onze comunidades restantes (de um total de 14) que
formam a Gleba Nova Olinda, assim como também nada há que se divisar como
elemento diferenciador das demais populações rurais amazônicas”, reforça a
sentença.
Airton Portela ressalta o elemento
tradicionalidade – por exemplo, o batismo de casa, puxar a barriga (largamente
usado pelas parteiras amzônicas), consumo de chibé, tarubá ou mesmo o ritual da
lua – para demonstrar que não é indígena, mas decorrente das missões
jesuíticas, uma vez que, no Velho testamento, há quase 50 menções a rituais de
lua nova.
O próprio idioma nhengatu, lembra a sentença,
já foi falado até em São Paulo.
O juiz federal chama de “mais ativistas que
propriamente cientistas” os antropólogos que desenvolveram a chamada
“etnogênese”, uma construção teórica que passou a explicar e incentivar o
ressurgimento de grupos étnicos considerados extintos, totalmente miscigenados
ou definitivamente aculturados.
“Tal movimento de “ressurgimento” tem a
miscigenação no Brasil e na América Latina como mal a ser combatido
(classificando-a como mito) e disso tem se servido muitos ativistas ambientais,
que vislumbram na figura do indígena ‘ressurgido’ uma função ambiental
protetiva mais eficaz que aquela desempenhada pelas chamadas populações
tradicionais, e assim, não por outra razão, passaram a incentivar o repúdio à
designações que julgam ‘pouco resistentes’ tais como ‘caboclos’, ribeirinhos,
‘mestiços’, entre outras que rotulam como ‘autoritárias’ e ‘instrumentos de
dominação oficial’”, complementa a sentença.
Fonte: RG 15\O Impacto e Justiça Federal/Pará
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