Área conhecida como Fazenda Mejer foi
invadida em 1974 e só nesta quinta-feira, 19 de dezembro, foi devolvida aos
indígenas
Os indígenas Tembé foram reintegrados nesta
quinta-feira, 18 de dezembro, na posse da área de 9,2 mil hectares conhecida
como fazenda Mejer, em Nova Esperança do Piriá, no nordeste do Pará. O retorno
à área é conquista de iniciativas dos Tembé, do Ministério Público Federal
(MPF) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) realizadas em defesa dos direitos
indígenas desde que o local foi invadido, em 1974.
“Nosso povo está em festa”, comemora uma das
lideranças dos indígenas Tembé, Puyr Tembé, ao falar sobre a reintegração de
posse, enfatizando que a vitória não é apenas dos caciques, e sim de toda a
etnia. “Foram lutas árduas travadas não só pelas lideranças, mas também pelos
jovens e pelas mulheres indígenas”, destaca.
Uma dessas lutas ocorreu no último dia 1º,
quando houve conflito entre os Tembé e não índios ocupantes de áreas indígenas.
No caso da Vila Livramento, onde ocorreu o tiroteio do início do mês, os
colonos foram atraídos pelo fazendeiro Mejer Kabacznic, que invadiu a área dos
índios em 1974 e conseguiu abrir uma estrada, por onde outros invasores
entraram.
No início desta semana, o MPF encaminhou à
Justiça a informação de que os invasores haviam se retirado do local, e pediu o
cumprimento da sentença que determinava a reintegração de posse aos indígenas.
O mandado foi expedido na quarta-feira, 17 de dezembro, e cumprido ontem, com a
presença de representantes do MPF, Funai e Polícia Federal no acompanhamento a
indígenas e oficiais de Justiça.
Na área invadida conhecida como fazenda Mejer
ou fazenda Irmãos Coragem o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério
do Trabalho e Emprego flagrou, em 2004, um grupo de 37 trabalhadores –
inclusive menores de idade – reduzidos a condições semelhantes às de escravos.
O MPF denunciou o fazendeiro Samuel Kabacznik pelo crime. O condenado recorreu
da sentença e aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF-1), em Brasília.
Comemoração
O sentimento dos Tembé é de que eles
conseguiram garantir às futuras gerações a manutenção de um direito que sempre
foi e sempre será pertencente aos indígenas, explica Puyr Tembé. Outra
liderança indígena, Almir Tembé, considera que a notícia da retomada da área
vai servir de fonte de força e esperança para outras lutas indígenas dos Tembé
e de outras etnias. “Seja qual for a etnia, certamente verá nessa reintegração
de posse uma prova de que vale a pena lutarmos por nossos direitos”, afirma
Almir Tembé.
Assim como os Tembé, a Funai também está em
festa, diz o coordenador técnico da instituição em Belém, Juscelino Bessa.
Segundo ele, assim como a invasão de 1974 pelos Mejer Kabacznik foi indutora de
várias outras invasões menores, provavelmente a reintegração dessa área vai
estimular a saída também dos pequenos invasores, e a área que deve voltar à
posse indígena deve chegar a cerca de 14 mil hectares. “Antes diziam que nós só
mexíamos com os pequenos, mas em 2007 passamos a focar nossas ações na retirada
dos invasores de áreas de médio porte e essa situação mudou”, relata.
Bessa considera que a reintegração de posse
aos Tembé é uma das maiores vitórias para a causa indígena no Brasil, porque é
uma das maiores recuperações de terra e um dos processos mais antigos. Segundo
ele, a ação de reintegração de posse é de 1979, cinco anos depois que os
Kabacznik cortaram a TI de leste a oeste para ligar a sede de uma fazenda à
localidade conhecida hoje como Livramento.
A data é histórica também segundo a
procuradora da República Nathália Mariel Ferreira de Souza Pereira, que
representa o MPF no processo. “Para os indígenas, a garantia da terra é mais
que a garantia da subsistência. É a preservação da cultura, dos saberes e do
modo indígena de lidar com o mundo. Mais que a retomada de uma área que nunca
deixou de ser Tembé, a reintegração da posse é uma mostra de respeito à vida de
todos os povos indígenas”, detalha.
Desafios
Como cerca de 70% da área foi transformada em
pasto pelos invasores, o desafio agora é planejar o reflorestamento do
território, conta Puyr Tembé. “A criação de gado não faz parte da nossa
cultura, então teremos que repensar a utilização dessa área”.
Em 2007 os indígenas entraram na Justiça
Federal no Pará com ação em que pediam que a Justiça obrigasse a União a
indenizá-los pelos danos ambientais provocados em área indígena pelos
invasores. A Justiça Federal negou atendimento ao pedido do e os indígenas recorreram
da decisão. O caso aguarda julgamento no TRF-1.
Segundo a líder Puyr Tembé, os indígenas
estudam entrar com ação contra a Kabacznik, também para pedir indenização pelos
danos sociais e ambientais provocados. “É uma família que fez riqueza em cima
de terras que não eram dela, eram nossas”, denuncia.
Histórico
A Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá, com
pouco mais de 279 mil hectares, é uma das mais antigas da Amazônia e teve o
território reconhecido em 1945 por Magalhães Barata, então governador do Pará.
Em 1988, durante o processo de demarcação federal, o ministro da Reforma
Agrária à época, Jader Barbalho, dividiu a terra dos Tembé, criando vilas
agrícolas no meio do território indígena e criando o terreno para as invasões
em vários pontos.
Em 1993, a divisão feita por Barbalho é
anulada e a TI Alto Rio Guamá tem a demarcação definitiva homologada pelo
governo federal, em toda sua extensão. Mesmo assim, até 2014, as consequências
dos erros governamentais provocam situações de conflito como a do último dia 1º
de dezembro.
Fonte: MPF – Ministério Público Federal
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