Cardeal Orani Tempesta
Estamos para discutir e votar no Congresso
Nacional a questão da redução da maioridade penal. E a propaganda feita pelos
meios de comunicação está “vendendo” ao povo que esta seria a solução para a
questão da violência praticada por menores em nosso país.
Realmente é revoltante o que hoje acontece
com aparente impunidade. Muitos dos crimes que estão acontecendo, infelizmente,
são praticados por menores infratores na nossa cidade. Nós nos solidarizamos
com as vítimas e as suas famílias. Não é simples ver isso acontecer ao nosso
redor. A vida humana está tão banalizada, e se perdeu o sentido de que o nosso
corpo é templo do Espírito Santo quando observamos cenas de violência, com
facadas em pessoas de bem ou roubos da mesma maneira, que são transformados em
latrocínio. Quando não com as chamadas “armas brancas”, ocorrem também com
outro tipo de armas que amedrontam o cidadão. Quantos assaltos ocorrem em
nossas cidades, uma parte praticado por adolescentes. Eu mesmo fui vítima de um
desses assaltos.
Mas eu pergunto: reduzir a maioridade penal
irá resolver a espiral de violência praticada por menores infratores? Se a
prisão pura e simples resolvesse a questão da violência, o nosso país seria um
Oásis com tantas pessoas presas. Porém, nós sabemos que acontece exatamente o
contrário, pois a prisão não reeduca e, pensando apenas em punir, oferece
ocasião de um aprendizado maior do crime.
Com relação aos menores, creio que são dados
conhecidos dos leitores a quantia de menores assassinados em nosso país e, de
maneira especial, em nossa cidade. Infelizmente, o principal problema é que a
sociedade está doente e sem rumo. As atuais circunstâncias sociais e culturais
deixaram-nos à mercê de uma vida sem sentido e com uma disputa pelos bens
materiais em que vale tudo para conseguir. Um país que não quer permitir
orientações éticas e morais, ou mesmo religiosas, para seus adolescentes está
fadado a deixar que a violência os oriente nas estradas da vida. Depois: o
Estatuto da Criança e do Adolescente até hoje não foi aplicado como deveria.
Apenas naquilo que interessa a alguns, mas nunca com a seriedade com que foi
escrito. Na falha nessa aplicação, agora divulga que a solução é colocar mais
pessoas no presídio. Estaremos construindo um país ingovernável e violento cada
vez mais.
Com a falta de famílias, ambientes sadios,
escolas de qualidade, saúde, lazer e uma vida digna, com o necessário para
viver, e sendo cooptados pelo trabalho imoral e vivendo em ambientes violentos
nós nos perguntamos se as crianças têm segurança para crescer, como ensinou
Jesus, “em estatura, graça e santidade”, ou se elas aprendem o contrário da
vida e assim são vítimas da violência que grassa por todos os lados.
É perversa a PEC 171, em tramitação no
Congresso Nacional, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16
anos. Qual a motivação da redução da maioridade penal? Prender os adolescentes
das periferias existenciais, das comunidades ou aqueles que são marginalizados
pela sociedade? Vivemos um momento de desvalorização de uma grande conquista da
sociedade brasileira, que foi o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. As
crianças e adolescentes não podem ser vítimas da sede de vingança que muitas
vezes se forma pela paixão do revanchismo. (Aliás, somos campeões em fazer leis
exageradas nos momentos de paixões e revoltas).
Existe violência sim, mas esta violência deve
ser combatida com educação para os adolescentes, e de perspectiva de inserção
no mundo do trabalho. Necessitamos de um outro país em que os valores sejam
vividos e ensinados e a família valorizada.
O ECA prevê seis medidas educativas para
menores infratores: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de
serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la,
as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes, que
são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua
reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum (quem conhece esses
locais de privação de liberdade, superlotados e sem orientação sabe muito bem
que não é esse o espírito da lei). E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos
em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três anos em semiliberdade
e três anos em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se
reinserir na sociedade. Atualmente querem fazer uma lei que autoriza a prender
menores de dezoito anos em prisões comuns, quando o Estado não conseguiu locais
suficientes para reeducá-los nas “prisões” de crianças que já existem. Não
adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre!
Não adianta apenas punir os jovens. Muitos,
infelizmente, querem banalizar e esconder as reais causas da violência no nosso
país. As políticas e ações de natureza social que desempenham um papel
importante na redução das taxas de criminalidade são quase nulas ou
inexistentes. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão
com adoção de leis penais mais severas ou de redução da maioridade penal,
discussão parlamentar que está sendo proposta de afogadilho. Urge uma tomada de
consciência para que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização
da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo,
demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de
adolescentes ao crime e à violência. Infelizmente, os responsáveis pela
educação estão mais preocupados com os “gêneros” e outros tipos de orientação
educacional do que com uma verdadeira formação dos nossos jovens e adolescentes
para a paz e a fraternidade conscientes. Precisamos valorizar o jovem,
considerá-lo como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade
melhor.
Eu me recordo da dedicação de um homem de
Deus a esta causa, a quem faço uma homenagem: ele é um filho destas terras
cariocas que em breve veremos elevado às glórias dos altares: Dom Luciano
Mendes de Almeida. Devemos a ele o trabalho ingente de fundação da Pastoral do
Menor, que tantos benefícios tem feito ao Brasil. Um trabalho de prevenção com
as dificuldades e parcas verbas, mas que tem um belo e importante trabalho pelo
Brasil. Aqui no Rio de Janeiro esse trabalho foi fundado pelo meu querido
predecessor D. Eugênio Araújo Sales e tem sido levado adiante com muito
carinho, enfrentando os problemas pelos voluntários que a compõem.
A Pastoral do Menor Nacional, em 14 de
outubro de 2014, emitiu um manifesto que traduz o pensamento da Igreja:
“reduzir a maioridade penal e aumentar o tempo de internação significa
simplesmente responder de forma banal e genérica para uma situação complexa e
importante”. A Pastoral do Menor tem plena certeza de que, quer seja do ponto
de vista legal, humano e, sobretudo cristão, que a redução da maioridade penal
e qualquer outra proposta de redução dos direitos de crianças e adolescentes
vai não somente contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também aos
planos de Deus. Para Deus existe somente um caminho: garantir a vida e vida em
abundância a crianças e adolescentes por meio de políticas públicas universalizadas,
que permitam que elas se desenvolvam num contexto de possibilidades e
oportunidades. Deus não quer ninguém na cadeia, sobretudo crianças e
adolescentes!!! Como dizia nosso fundador Dom Luciano Mendes de Almeida:
“crianças e adolescentes não são problema, sim solução”.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. -
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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