O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência
Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído oficialmente pela lei nº
12.519, de 10 de novembro de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, o
então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e
Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Zumbi foi morto em 1695, na referida
data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. Maiores informações
podem ser consultadas no texto História do Quilombo de Palmares.
A data de sua morte, descoberta por
historiadores no início da década de 1970, motivou membros do Movimento Negro
Unificado contra a Discriminação Racial, em um congresso realizado em 1978, no
contexto da Ditadura Militar Brasileira, a elegerem a figura de Zumbi como um símbolo
da luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, bem como da luta por
direitos que seus descendentes reivindicam.
Com a redemocratização do Brasil e a
promulgação da Constituição de 1988, vários segmentos da sociedade, inclusive
os movimentos sociais, como o Movimento Negro, obtiveram maior espaço no âmbito
das discussões e decisões políticas. A lei de preconceito de raça ou cor (nº
7.716, de 5 de janeiro de 1989) e leis como a de cotas raciais, no âmbito da
educação superior, e, especificamente na área da educação básica, a lei nº
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-brasileira, são exemplos de legislações que prevêem
certa reparação aos danos sofridos pela população negra na história do Brasil.
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COMENTÁRIO NOSSO: Uma pequena homenagem à
grandes amigos.
A figura de Zumbi dos Palmares é
especialmente reivindicada pelo movimento negro como símbolo de todas essas
conquistas, tanto que a lei que instituiu o dia da Consciência Negra foi também
fruto dessa reivindicação. O nome de Zumbi, inclusive, é sugerido nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana como
personalidade a ser abordado nas aulas de ensino básico como exemplo da luta
dos negros no Brasil. Essa sugestão orienta-se por uma das determinações da lei
Nº 10.639, que diz no Art. 26-A, parágrafo 1º: “O conteúdo programático a que
se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil.”
A despeito da comemoração do Dia da
Consciência Negra ser no dia da morte de Zumbi e do que essa figura histórica
representa enquanto símbolo para movimentos sociais, como o Movimento Negro, há
muita polêmica no âmbito acadêmico em torno da imagem de Zumbi e da própria
história do Quilombo dos Palmares. As primeiras obras que abordaram esse
acontecimento histórico, como as de Edison Carneiro (O Quilombo dos Palmares,
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 3a ed., 1966), de Eduardo
Fonseca Jr. (Zumbi dos Palmares, A História do Brasil que não foi Contada. Rio
de Janeiro: Soc. Yorubana Teológica de Cultura Afro-Brasileira, 1988) e de
Décio Freitas (Palmares, a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento, 1973),
abriram caminho para a compreensão da história da fundação, apogeu e queda do
Quilombo dos Palmares, mas, em certa medida, deram espaço para o uso político
da figura de Zumbi, o que, segundo outros historiadores que revisaram esse
acontecimento, pode ter sido prejudicial para a veracidade dos fatos.
Um dos principais historiadores que estudam e
revisam a história do Quilombo dos Palmares atualmente é Flávio dos Santos
Gomes, cuja principal obra é De olho em Zumbi dos Palmares: História, símbolos
e memória social (São Paulo: Claro Enigma, 2011). Flávio Gomes procurou, nessa
obra, realizar não apenas uma revisão dos fatos a partir do contato direto com
as fontes do século XVI e XVII, mas também analisar o uso político da imagem de
Zumbi. Segundo esse autor, o tio de Zumbi, Ganga Zumba, que chefiou o quilombo
e, inclusive, firmou tratados de paz com as autoridades locais, acabou tendo
sua imagem diminuída e pouco conhecida em razão da escolha ideológica de Zumbi
como símbolo de luta dos negros.
Além dessa polêmica, há também o problema
referente à própria estrutura e proposta de resistência dos quilombos no
período colonial. Historiadores como José Murilo de Carvalho acentuam que
grandes quilombos, como o de Palmares, não tinham o objetivo estrito de
apartar-se completamente da sociedade escravocrata, tendo o próprio Quilombo
dos Palmares participado do tráfico e do uso de escravos. Diz ele, na obra
Cidadania no Brasil: “Os quilombos que sobreviviam mais tempo acabavam mantendo
relações com a sociedade que os cercava, e esta sociedade era escravista. No próprio
quilombo dos Palmares havia escravos”. (CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no
Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.
48).
As polêmicas partem de indagações como: “Se
Zumbi, que foi líder do Quilombo de Palmares, possuía escravos negros, a noção
de luta por liberdade nesse contexto era bem específica e não pode colocá-lo
como símbolo de resistência contra a escravidão”. A própria história da África
e do tráfico negreiro transatlântico revela que grande parte dos escravos que a
coroa portuguesa trazia para o Brasil Colônia era comprada dos próprios reinos
africanos que capturavam membros de reinos ou tribos rivais e vendiam-nos aos
europeus. Essa prática também ressoou como atestam alguns historiadores, em dada
medida, nos quilombos brasileiros.
Nesse sentido, a complexidade dos fatos
históricos nem sempre pode adequar-se a anseios políticos. Os estudos
históricos precisam dar conta dessa complexidade e fornecer elementos para
compreender o passado e sua relação com o presente. Entretanto, esse processo
precisa ser cuidadoso. O uso de datas comemorativas como marcos de memória
suscita esse tipo de polêmica, que deve ser pensada e discutida
criteriosamente, sem prejuízo nem das reivindicações sociais e, tampouco, da
veracidade dos fatos.
* Créditos da imagem: Commons
Por Me. Cláudio Fernandes
Postado por H. Marinho
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