A sociedade brasileira deve saber como
funciona o sistema penal brasileiro para discuti-lo e, se achar necessário,
modificá-lo. A avaliação é do ministro Luís Roberto Barroso (foto), do Supremo
Tribunal Federal, ao jornal O Globo. Relator da Ação Penal 470, o processo do
mensalão, Barroso respondeu às reações causadas com as progressões de regime
que permitiram que condenados cumprissem suas penas em casa.
Barroso reforçou que os juízes devem aplicar
a lei. “Quando o preso progride para o regime aberto, ele deve passar para uma
casa de albergado. Como praticamente não existem estes estabelecimentos, a
jurisprudência antiga e pacífica é que eles devem, então, passar para a prisão
domiciliar”, explicou.
O ministro ainda afirmou que quem julga deve
aplicar a lei com imparcialidade, sem ceder a paixões, ódios ou espírito de
vingança. “É justamente quando esses sentimentos afloram na sociedade que você
precisa de um juiz corajoso para fazer o que é certo”, disse Barroso, que
completa: “Sirvo à Justiça, e não à opinião pública. Um juiz digno desse nome
não joga para a plateia.”
Leia abaixo trechos da entrevista concedida
ao jornal O Globo:
Há a impressão de que a prisão domiciliar
para parte dos condenados veio cedo, com menos de um ano de pena. Mesmo
seguindo todos os trâmites legais, isso pode reforçar a sensação de impunidade?
Eu, geralmente, só aceito dar entrevista
quando acho que há alguma questão relevante a ser trazida ao debate público. E
essa questão está refletida na sua pergunta. O país tem um sistema punitivo
definido pela legislação. Essa legislação é mais branda do que a de muitos
países do mundo. Há dois pontos relevantes aqui. De acordo com a lei, a
execução das penas se dá em três regimes: fechado, que é cumprido em
penitenciárias; semiaberto, em colônias agrícolas ou industriais; e aberto, que
deve ser cumprido em casa de albergado. Depois de cumprir um sexto da pena, o
condenado tem o direito de progredir de um regime para o outro. O que tem
acontecido entre nós? Quando o preso progride para o regime aberto, ele deve
passar para uma casa de albergado. Como praticamente não existem estes
estabelecimentos, a jurisprudência antiga e pacífica é que eles devem, então,
passar para a prisão domiciliar.
Mas isso não reforça a sensação de
impunidade?
Sem dúvida. Por essa razão, eu estou
compartilhando essas informações, para que a sociedade brasileira entenda como
funciona o sistema, discuta a respeito e decida se quer modificá-lo. Não há
decisões politicamente fáceis nem moralmente baratas aqui. O sistema acelera a
progressão de regime, dentre outras razões, porque não há vagas nele. Há um
déficit de cerca de 250 mil vagas no sistema penitenciário. Para ter um sistema
penal que satisfaça as demandas razoáveis da sociedade, é preciso investir
recursos na construção dos estabelecimentos próprios, inclusive aumentando o
número de vagas. O problema é que o dinheiro que vai para o sistema
penitenciário deixa de ir para educação, saúde, saneamento, rodovias,
previdência etc. Ou seja: toda sociedade acaba tendo de fazer escolhas,
escolhas que por vezes são trágicas.
E como o senhor se sente diante desse
sistema?
Eu cumpro a lei. A lei é que materializa
essas escolhas da sociedade. Em uma democracia, não existe, de um lado, a
sociedade civil, e de outro, o Estado. O Estado é o que a sociedade e os seus
agentes eleitos constroem. A única coisa que um juiz não pode fazer é tratar de
maneira discriminatória o condenado que a sociedade odeia. Juízes não são
vingadores mascarados. Fazer justiça é aplicar a lei com imparcialidade, sem
paixões, sem ódios ou espírito de vingança. É justamente quando esses
sentimentos afloram na sociedade que você precisa de um juiz corajoso para
fazer o que é certo. Eu tenho deveres para com a Constituição, o bem e a
Justiça. O sentimento da sociedade não me é indiferente, e eu o levo em conta.
Mas sirvo à Justiça, e não à opinião pública.
Um juiz digno desse nome não joga
para a plateia.
As penas impostas aos políticos foram, em
geral, mais baixas que as impostas aos empresários e executivos. Tanto que
alguns políticos já conseguiram fazer progressão de regime, e os empresários e
executivos, não. Houve alguma desproporção na punição?
Isso se deveu à própria dinâmica dos fatos e
ao número de delitos cometidos por cada um dos réus. Os políticos mais
conhecidos foram condenados por corrupção ativa, que à época era punido com
penas de um a oito anos. Alguns foram condenados por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro. Basicamente, uns compraram e outros venderam votos. Já
quanto aos empresários, diversos deles foram condenados por uma cumulação de
crimes, que incluíram peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, gestão
fraudulenta de instituições financeiras e evasão de divisas.
Qual a sua avaliação final de tudo o que
aconteceu?
Uma coisa me chamou particular atenção neste
caso. Nenhum dos condenados, em momento algum, revelou arrependimento, culpa
sincera ou achou que devia desculpas ao país. A impressão que eu tenho é que
todos, estranhamente, se sentem vítimas do sistema político. “Era assim antes
de nós, nós jogamos o jogo como era jogado e depois de nós continuou a ser a
mesma coisa”. E o que é aterrador é que talvez tenham uma certa razão. Se não
mudarmos o sistema político, sobretudo para baratear o processo eleitoral, o
financiamento de campanhas continuará por trás de todos os escândalos do país.
Não sairemos do pântano. A centralidade do dinheiro nos roubou o idealismo e o
senso de patriotismo.
Por: ercio
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