Matheus
Pichonelli – 12
horas atrás
Deve
ser acompanhada com atenção a noticiada (e já negada e já confirmada) tentativa
de aproximação entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando
Henrique Cardoso. A depender dos desdobramentos de um possível encontro, esta
pode ser, noves fora o desfecho policial da Operação Lava Jato, a notícia mais
interessante do mundo político em muito tempo.
Não
se trata de uma aproximação entre PT e PSDB, mas de um aceno de suas maiores
figuras em direção a um cessar-fogo que jamais foi procurado. O cálculo tem,
obviamente, um fundamento de oportunidade política: tanto no PT quanto no PSDB
há grupos interessados em barrar o fortalecimento do grupo do senador Aécio
Neves (PSDB-MG). Este fortalecimento não interessa aos colegas de partido que
vislumbram disputar a Presidência em 2018. Daí a aceno de Lula ao também
ex-presidenciável José Serra (PSDB-SP) – aquele cuja esposa disse a uma
eleitora em 2010 que Dilma Rousseff, defensora da ideia de tratar a questão do
aborto como uma questão de saúde pública, “mataria crianças” caso eleita. Mais
ou menos na órbita do Planalto, o governador paulista, Geraldo Alckmin, tem
pregado moderação ao falar sobre impeachment, embora tenha elevado o tom contra
o governo na convenção tucana que reconduziu Aécio Neves à presidência da
legenda.
Ao
PT, que durante anos agrediu com a mesma fúria com que foi e agora é agredido,
interessa a pacificação do ambiente político por um motivo óbvio: a palavra
impeachment não tem hora para sair da boca de eleitores e inimigos, e a ala
moderada tucana pouco ou nada parece fazer para conter a hostilidade do grupo
do senador mineiro contra um governo na lona. Hoje tucanos como Aécio Neves e
Carlos Sampaio, líder da sigla na Câmara, estão mais próximos do extremo do
DEM, Ronaldo Caiado à frente, do que da ala moderada da legenda. O cálculo é
radicalizar agora ou nunca.
Ao
ver a virulência e o palanque dado a essa virulência em recortes de jornais e
carros de som, Lula deve sentir saudade do tempo em que batia boca publicamente
com FHC. Este, a cada crítica ao governo Lula, era prontamente desautorizado
pelo sucessor. Toda vez que FHC dizia que faltava projeto de nação aos
adversários, Lula respondia, em tom de deboche, que ex-presidente era igual a
peito de homem: não serve pra nada. Portanto, deveria ficar calado. Hoje Lula,
ex-presidente que não poupa pitaco ao governo da sucessora, quer ouvir o que o
antecessor tem a dizer. Pudera. Perto da hostilidade de Aécio, e das rasteiras
de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os bate-bocas entre Lula e FHC ficam parecendo
guerra de almofadas.
Uma
pergunta, no entanto, fica no ar. Que Serra (e, presume-se, Alckmin), tenham
interesse em frear o ímpeto de Aécio parece lógico. Mas e FHC? Que interesse
teria em colaborar a essa altura do campeonato?
Em
entrevista recente, o ex-presidente tucano dava pistas a quem hoje busca
resposta a essa questão. A preocupação dele, dizia, não era ganhar esta ou a
próxima eleição e fazer sucessores para povoar o mundo. Sua preocupação era a
História. E se amanhã os historiadores quiserem entender por que os
ex-presidentes levaram tanto tempo para estenderem as mãos, a resposta estará
antes na vaidade que os move do que nos projetos que os distinguem.
De
fiador do processo de estabilização econômica e, consequentemente, democrática
do Brasil após a reabertura – o primeiro eleito pelo povo a receber e entregar
ao sucessor a faixa presidencial desde Juscelino Kubitschek – no primeiro
mandato, FHC virou espantalho desde o fim melancólico de um segundo governo
turbulento, marcado por escândalos em superintendências, privatizações
contestadas e desajustes econômicos sob a sombra da suspeita da compra de votos
para aprovar a emenda da reeleição, a mudança combinada mas não muito no câmbio
e a pecha de “estelionatário eleitoral”.
A
desidratação biográfica de FHC sempre serviu de munição a Lula e o PT. Em um
dos debates contra Alckmin, em 2006, Lula chegou a franzir e levar as mãos à
testa para, em tom de ironia, procurar o ex-presidente na plateia: “Engraçado,
não estou vendo o Fernando Henrique aqui”. Depois, quando começaram a chover
prêmios de doutor honoris causa ao ex-metalúrgico, este e seus apoiadores não
perdiam a chance de debochar do antecessor: o príncipe dos sociólogos, que
pouco ou nada contribuiu para a expansão da universidade pública no país,
deveria estar se moendo, provocavam.
O
peso histórico de FHC dentro do PSDB sempre foi levado em conta, mas ele jamais
escondeu o ressentimento por ter sido, em ao menos duas eleições presidenciais,
camuflado para não atrapalhar o candidato do partido à Presidência. Também
jamais se conformou pela ausência de deferência com que era tratado pelos
adversários. Esta ausência era parte de uma narrativa, costurada por anos de
marketing político, segundo a qual a demonização de um partido, mais parecido
entre eles do que gostariam seus apoiadores, é condição para o fortalecimento
do adversário.
Na
última eleição o apego a esta narrativa beirou o ridículo. Falou-se mais em
fantasmas e riscos de retrocesso do que em soluções e avanços, num copia-e-cola
mal feito do filme “A Vila”, do qual já falamos neste espaço.
Nessa
brincadeira que durante anos beirou a irresponsabilidade, Dilma sugeriu ao vivo
e em TV aberta que Aécio Neves, já com chances reais de tirá-la da Presidência,
dirigia bêbado. Em eleição vale qualquer coisa, justificavam os que aplaudiram
o golpe baixo. O resultado é que Aécio nunca engoliu a pedrada, a eleição
jamais terminou, hoje tucanos desafiam a lógica e a própria história ao
deixarem passar no Congresso o fim do fator previdenciário e da reeleição, duas
invenções tucanas, apenas para estender o incêndio contra o governo no
Congresso.
Não
se sabe como e se de fato haverá encontro entre Lula e FHC, cujas biografias,
em suas respectivas crises políticas, se tornaram objeto de um duro
revisionismo histórico.
FHC
teve o seu antes mesmo do fim do segundo mandato. Lula, de presidente mais
aclamado da história, corre o risco de ser lembrado como o líder político que
permitiu a instalação de larápios na maior empresa do Brasil para obter fontes
de recursos ao próprio partido e aliados.
Ambos
têm a chance agora de serem lembrados como as duas maiores referências dos dois
maiores partidos do país que deixaram as picuinhas de lado para, num gesto de
espírito público e grandeza, desativaram juntos uma bomba que os levaria a
morrer abraçados. A conferir.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
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