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terça-feira, 23 de setembro de 2014

NO ACRE, FALTA ÁGUA PARA BEBER EM ABRIGO SUPERLOTADO DE IMIGRANTES


Senegaleses, às 6h10, após abastecerem garrafas com água na vizinhança do abrigo.


Improvisada pelo governo estadual como abrigo de imigrantes que ingressam no território brasileiro em busca de trabalho, a partir da fronteira com Bolívia e Peru, a Chácara Aliança, em Rio Branco (AC), está superlotada com 542 homens, mulheres e crianças do Haiti, Senegal, República Dominicana, Nigéria e Colômbia.

A chácara de cinco hectares, na confluência das estradas Aquiles Peret e Irineu Serra, próxima de uma área de proteção ambiental, tem capacidade para abrigar 200 imigrantes. Possui piscina, campo de futebol soçaite, quadra de futebol de salão, playground, salão de festas, bar, açude, além de cinco pousadas com mais de 20 apartamentos.

O governo do Acre pretendia limitar o atendimento a 200 imigrantes, porém o fluxo de imigrantes permaneceu intenso nas últimas três semanas e falta pessoal na delegacia do Ministério do Trabalho e na Polícia Federal para dar conta da demanda por documentos.

O governo estadual também enfrentou dificuldade financeira e burocrática para pagar os ônibus que transportam diariamente os imigrantes de Rio Branco até São Paulo. Na última semana, por exemplo, apenas cinco ônibus partiram de Rio Branco com 224 imigrantes.

Durante quatro dias os imigrantes deixaram de ser transportados para São Paulo por falta de documentos (Carteira de Trabalho e protocolo da Polícia Federal) ou porque o governo não conseguiu pagar o frete de ônibus, por a empresa o faz mediante pagamento antecipado.


Imigrantes em fila para receber ticket para almoço
O professor norte-americano Foster Brown, da Universidade Federal do Acre, que participa de um grupo de defesa dos direitos humanos na fronteira do Brasil com Bolívia e Peru, visitou duas vezes o abrigo em Rio Branco durante a semana. Após a visita de domingo (21), Brown divulgou um curto relato em que assinala os problemas de abastecimento de água.

- Quando falta água, os imigrantes vão até uma torneira pública na rua principal e enchem garrafas. Atualmente, falta garrafas PET para a demanda – contou o professor.

A reportagem constatou a falta de água para beber no domingo e nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira. A chácara recebe água da rede pública de distribuição, mas há uma semana a bomba elétrica usada para transferir a água do reservatório para caixas do imóvel está danificada.

- Nós liberamos a torneira da varanda da casa para que possam encher suas garrafas com água para beber. Minha tia põe água dentro de uma para congelar e distribui, mas é muita gente e não dá para atender todos. Quando falta água no abrigo, eles vêm lavar roupa na nossa calçada. A gente faz o que pode, mas o governo do Acre devia cuidar melhor porque recebe verba do governo federal para isso – comentou uma moradora do Bairro Irineu Serra.

Uma servidora pública que trabalha no abrigo disse que tem faltado água no abrigo porque os imigrantes mexem na bomba elétrica e danificam. A bomba elétrica voltou a funcionar nesta manhã, por volta das 7h local e os imigrantes correram para armazenar água potável em garrafas PET.


No abrigo, haitianos armazenam água potável em garrafas
O valor total do contrato de sete meses de aluguel da Chácara Aliança é de R$ 154 mil, sendo R$ 22 mil mensais. O contrato iniciou em junho e tem vigência até o dia 15 de dezembro deste ano, segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, responsável direta pela locação do imóvel.

Para receber, abrigar e alimentar os imigrantes no Acre, o Estado e a União informam que já gastaram mais de R$ 6,2 milhões, considerando a soma dos valores de 2012 até hoje. Apenas com o item “alimentação”, o gasto foi da ordem de R$ 4,5 milhões.

Com fretamento de ônibus, que conduz os imigrantes de Rio Branco até São Paulo, em uma viagem com duração de três dias, o gasto chegou a R$ 1,6 milhão até maio deste ano.

Os dados são da Secretaria de Desenvolvimento Social, que, juntamente com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, é responsável pelo gerenciamento das demandas relacionadas aos imigrantes no Acre.

Extorsão Desde 2010, os imigrantes são aliciados por redes de tráfico de pessoas e transportados até o Brasil, onde são recebidos e preparados como força de trabalho pelo Estado brasileiro, ação diretamente articulada ao recrutamento deles pela agroindústria da carne do Centro-Sul do país. O Acre recebe, abriga, alimenta e documenta essa força de trabalho.

Denúncias de que a polícia peruana, além de taxistas peruanos e brasileiros exerçam a prática da extorsão contra os imigrantes não param. O padre chileno Claudio Barriga, que presta assistência a imigrantes em Assis Brasil (AC), na fronteira com a Bolívia e Peru, e ocasionalmente em Rio Branco, relatou que os imigrantes continuam sendo extorquidos pela polícia em Iñapari, do lado peruano. De acordo com o padre, os policiais peruanos “estão roubando sistematicamente imigrantes, principalmente haitianos”, que passam pela fronteira.

Barriga disse que as reclamações são muitas e foram denunciadas ao chefe da delegacia de polícia de Iñapari.

- Ele desculpou-se, dizendo que ele não estava presente quando os fatos alegados, o que, aparentemente, era verdade que eles ocorreram, e prometeu tomar medidas para acabar com este abuso. No dia 19 de setembro, verificou-se que os eventos estão acontecendo. Oito imigrantes haitianos que vieram para a fronteira com a intenção de continuar a sua viagem para o Brasil, foram obrigados a entregar US$ 20 cada (mais 40 soles) para a polícia, que de outra forma não iria deixar passar – relatou o padre.

Instituições e pesquisadores que acompanham no Acre o trânsito dos imigrantes haitianos e de demais nacionalidades pela Amazônia Ocidental, estimam que de 2010 até 2014 apenas os haitianos já teriam gasto algo em torno de R$ 6 bilhões em pagamentos para a rede de tráfico e corrupção estruturada com esse movimento migratório.

Muitos chegam ao Acre com problemas de saúde decorrentes da longa viagem e psicologicamente transtornados, em razão da violência que sofrem no caminho. No entanto, ante o temor de serem repatriados e da retaliação desses agentes, eles silenciam sobre os detalhes da viagem e o funcionamento das redes.


Por: Altino Machado
Fonte: Terra Magazine / Blog da Amazônia

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