José Coelho de Souza, que alega ter 131 anos
de idade
Uma postagem no Facebook, feita por um
funcionário do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), provocou furor nas
redes sociais e ganhou destaque na imprensa: um homem com incríveis 131 anos de
idade, o mais velho do mundo, viveria à beira de um rio no interior do Acre, em
um pequeno povoado em plena Floresta Amazônica.
Os indícios parecem corroborar a idade de
José Coelho de Souza, conhecido como seu João, morador de Estirão do Alcântara,
comunidade localizada a mais de 30 minutos de barco do município de Sena
Madureira, no limite com o Amazonas: sua certidão de nascimento e sua carteira
de trabalho marcam como sua data de nascimento o impressionante dia 10 de março
de 1884 –quatro anos antes da Abolição da Escravatura no Brasil, por exemplo.
José Coelho de Souza 131 anos
José Coelho de Souza 131 anos
Mas, por que esse caso espantoso não está no
famoso Guinness World Records, o “Livro dos Recordes”?
A BBC Brasil foi buscar a resposta com os
próprios organizadores da publicação e com os principais especialistas mundiais
no tema, os pesquisadores do centro americano Gerontology Research Group (Grupo
de Pesquisas de Gerontologia, em tradução literal, e GRG, na sigla em inglês)
–apontados pelo Guinness, inclusive, como principal fonte para a validação de
candidatos a figurar em sua seção de “pessoas mais velhas”.
Quebra-cabeça
O “Livro dos Recordes” foi lacônico em sua
resposta: disse apenas que a história está sob investigação e que irá informar,
“assim que puder”, se seu João pode reivindicar ou não o título de homem mais
velho do mundo. Questionado sobre desde quando sabe do caso, e a respeito dos
passos de apuração, o Guinness não respondeu até o fechamento desta reportagem.
A publicação já afirmava investigar o caso em
2012, segundo uma reportagem da TV Record, que visitou o idoso à época.
Já o grupo de investigadores americanos foi
categórico: “É 30 vezes mais fácil alguém vencer a Powerball Lottery
(superloteria americana que sorteou US$ 1,6 bilhão na última quarta) do que
viver até os 131 anos”, afirma Robert D. Young, diretor do GRG responsável pela
área de pesquisa de “supercentenários” –como são chamadas as pessoas que já
acumulam mais de 110 velinhas no bolo de aniversário.
Segundo ele, a pessoa comprovadamente mais
velha do Brasil é uma mulher: Alida Grubba Rudge, de 112 anos, de Jaraguá do
Sul (SC).
“Os sinais mostram uma história que não
fecha: a mulher (de seu João) está na casa dos 60 anos e uma filha, nos 30.
Pode se tratar de um caso de equívoco na documentação”, acrescenta.
Há mesmo lacunas na história de seu João:
natural de Meruoca, no interior do Ceará, ele teria obtido sua primeira
certidão de nascimento só no Acre, em 1974. Na época, quando teria teoricamente
90 anos, se casou pela primeira e única vez. Sua mulher, com quem tem três
filhos e cinco netos, tem hoje 62 anos.
Cirlene de Oliveira Souza, de 30 anos, filha
mais nova do casal –e que teria nascido quando o pai tinha 101 anos–, contou à
BBC Brasil que ele sempre desconheceu sua data de nascimento e foi registrado
por uma irmã mais velha.
“Ele disse que o pai dele faleceu quando ele
era pequeno. E aí, com o tempo, se separou da mãe dele, que foi para um canto,
e ele para outro. Então (a idade) era pelo que a irmã mais velha dele falava.”
Seu João, diz Cirlene, hoje fala pouco e em
parte das vezes não consegue se alimentar sozinho. “Tem momentos que ele reage
quando falamos com ele; em outros, não.” Seu pai não é examinado por um médico
há pelo menos três anos, conta.
Arquivo pessoalCertidão de José Coelho de
Souza, que pode vir a ser o homem mais velho do mundo
‘Mitologia da longevidade’
De que a ciência já evoluiu bastante não
restam dúvidas. Mesmo assim, ainda não existe um exame que, com uma amostra de
sangue, por exemplo, consiga apontar a idade real de alguém, afirma o
Gerontology Research Group.
A professora Márcia Regina Cominetti,
coordenadora do Laboratório de Biologia de Envelhecimento da UFSCar
(Universidade Federal de São Carlos), uma das primeiras instituições a criar um
curso de Gerontologia (que estuda o envelhecimento humano) no país, conta que o
máximo já descoberto é que os telômeros, estruturas compostas por fileiras de
proteínas e DNA que formam as extremidades dos cromossomos, encurtam no
decorrer da vida.
Porém, ainda não foi desenvolvido um cálculo
que mostre o quanto esse encurtamento equivale em anos de vida.
Por isso, o grupo americano concentra suas
pesquisas em torno da busca por documentação sobre os “supercentenários”.
Após serem procurados pela BBC Brasil, os
especialistas fizeram uma pesquisa rápida, que levanta mais dúvidas sobre a
real idade de seu João.
Por meio de sites usados por pessoas que
buscam informações sobre sua árvore genealógica, como o Family Search, eles encontraram
uma versão digitalizada dos livros de batismo de Meruoca, cidade onde o idoso
teria nascido. Não há nenhum registro com seu nome em março de 1884.
“O Brasil tem um histórico de mitologia da
longevidade, algo que é comum em muitas partes do mundo e que existe
principalmente em áreas onde uma parte significante da população não foi
registrada no nascimento”, afirma Young.
Não por acaso, ele explica, a maior parte das
pessoas da lista de mais velhas atualizada constantemente pelo GRG é originária
do mundo desenvolvido. Países como Japão, Austrália, Canadá e os da Europa
Ocidental já registravam, há mais de 110 anos, quase a totalidade de seus
nascimentos.
Esse “mito da longevidade”, diz, tende a
acabar em locais onde toda a população viva foi registrada ao nascer.
“No Brasil, uma significante parte da
população de 110 anos atrás não foi registrada”, explica ele. A mulher de seu
João é um exemplo de que isso ainda ocorria com frequência em meados do século
passado: ela tem 62 anos, mas seus documentos apontam 55 anos, segundo a filha
do casal.
O especialista questiona ainda o fato de o
cearense ter uma filha de 30 anos. “O pais mais velho já conhecido gerou um
filho aos 92 anos: logo, 101 seria um novo recorde, se verdade”.
Na avaliação de Young, é bem possível que os
documentos de seu João realmente só tenham sido feitos na década de 1970, ou
que ele tenha perdido os originais.
Ele estima haver cerca de 800 pessoas com
mais de 110 anos em todo o mundo atualmente. Metade dos idosos a atingir essa
marca, diz, morre ainda aos 110 anos –e 98% (dos que restaram) antes de
completar 115 anos.
É possível que haja algum brasileiro mais
velho que a dona Alida, afirma. “O Brasil não tem uma lista de pessoas que
dizem ter mais de 110 anos (ou ao menos não disponível publicamente).”
Em tempo: na lista de 50 pessoas mais velhas
do mundo, liderada pela americana Susannah Mushatt Jones, de 116 anos, há
apenas um homem, o japonês Yasutaro Koide, que completa 113 em março e ocupa o
22º lugar.
Segundo o Guinness Book, a francesa Jeanne
Louise Calment detém o título de pessoa que mais tempo viveu em toda a história
(ao menos comprovadamente): ela morreu em 1997, aos 122 anos e 164 dias de
idade.
Por: Folha do Progresso
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