Os conflitos agrários no estado do Pará
acumulam eventos dramáticos de grandes proporções. Historicamente, o cenário
foi sempre de grande violência. Alguns casos chamaram a atenção do Brasil e do
mundo, como por exemplo, entre tantos outros, o chamado “Massacre de Carajás”,
quando houve a morte de diversos trabalhadores sem terras. Posteriormente, a
morte da freira norte americana Dorothy Stang, no município de Anapú, foi mais
um capítulo da tragédia que são os conflitos por terras no Estado.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a
morte de trabalhadores rurais, assentados, extrativistas e ambientalistas é uma
tragédia anunciada. A instituição há anos trabalha no sentido de comunicar às
autoridades e a sociedade, os inúmeros casos de mortes no campo, que poderiam
ser evitados, caso o Estado agisse com mais eficiência. A CPT inclusive
denuncia a existência de listas, que contém os nomes de pessoas marcadas para
morrer.
Os crimes relacionados aos conflitos no
campo, comumente ficam sem punição, uma vez que ocorrem em áreas rurais,
distante da cidade, e apresentam alguns aspectos que dificultam a identificação
dos autores, pois geralmente é realizado por pistoleiros, contratos por
grileiros de terras.
Um levantamento realizado pela CPT,
instituição ligada a Igreja Católica e reconhecida como uma das mais
importantes defensoras dos direitos humanos no Brasil, demonstrou que é
preocupante a situação dos conflitos agrários, especialmente no estado do Pará,
campeão nacional de mortes no campo.
Ainda no final de 2015, a CPT divulgou um
documento com o objetivo de realizar um alerta a toda sociedade, autoridades e
governantes sobre os crescentes números de homicídios. Segundo o texto, poucas
vítimas são inseridas no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos
Humanos (PPDDH), que “tem se mostrado com sérias fragilidades nos
acompanhamentos”.
O texto ainda aponta a necessidade de se
avançar na institucionalização do PPDDH e na (re)ativação do programa que
atualmente não está funcionando em diversos estados, dentre eles o Pará, onde
há maior número de casos de criminalização e ameaças a defensores e defensoras
dos direitos humanos no Brasil.
No documento, a CPT exige uma ação rigorosa,
elucidativa e punitiva para os casos de ameaças de morte, agressões e
assassinatos nos conflitos agrários. “É inconcebível que o campo, a terra e o
território de tantas comunidades e povos, espaço de vida, cultura e produção,
em pleno século XXI, continuem sendo expropriados e palco de uma barbárie
histórica e assassina”.
A instituição informou que no ano passado, o
Brasil teve aproximadamente 46 pessoas assassinadas e 79 ameaçadas. O número de
pessoas assassinadas é o maior desde 2004. “O grave desta situação é que as
ameaças, registradas em Boletins de Ocorrência feitos nas delegacias de Polícia
ou denúncias feitas à Ouvidoria Agrária Nacional, à Secretaria de Direitos
Humanos ou a outros órgãos públicos, não encontram a merecida atenção e não são
elucidadas. Com isso, os que ameaçam ficam impunes e as vítimas desprotegidas.
A omissão do Estado é gritante. Poucas das vítimas são inseridas no Programa de
Defensores dos Direitos Humanos, que tem se mostrado com sérias fragilidades
nos acompanhamentos” aponta o documento.
De acordo com a CPT, das 79 pessoas que
receberam ameaças em 2015, quatro foram executadas:
“A líder comunitária, Maria das Dores
Salvador Priante, ‘Dora’, assassinada no dia 12 de agosto, em Iranduba, AM. Ela
havia registrado dois Boletins de Ocorrência das ameaças que recebia. Também as
havia denunciado à Assembleia Legislativa do Amazonas. Jesusmar Batista de
Farias, assassinado em Anapu (PA) no dia 11 de agosto, havia recebido ameaças
em 25 de maio, em sua oficina de motos, por uma pessoa que se apresentou como
parente de Zé Iran, um suposto dono da terra em conflito, o lote 83 da Gleba
Bacajá. José Nunes da Cruz Silva (Zé da Lapada), assassinado em Anapu (PA), em
27 de outubro, diante da esposa, recebera ameaças menos de um mês antes da
morte, da parte de Debs Antônio Rosa, que se apresenta também como um dos donos
do lote 83. Raimundo Santos Rodrigues, Conselheiro do ICMBio (Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade), na Reserva Biológica do Gurupi e
Presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Rio da Onça II, foi
assassinado no dia 25 de agosto, em Bom Jardim (MA), numa emboscada. Em 18 de
junho, recebera ameaças de Jesus Costa. Em 2014, cinco das trinta e seis
pessoas assassinadas já haviam recebido ameaças de morte. Entre elas, a
ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura de União do Sul, em
Mato Grosso, Maria Lúcia do Nascimento. Ela havia registrado Boletins de
Ocorrência das ameaças sofridas e o fato foi comunicado ao Ouvidor Agrário
Nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho, na Audiência Pública de 05
de agosto, em Cuiabá, uma semana antes do assassinato, que aconteceu no dia 13
de agosto. Nesta mesma Audiência, o trabalhador rural Josias Paulino de Castro,
Presidente da ASPRONU (Associação de Produtores Rurais Nova União) e sua
esposa, Ireni da Silva Castro, denunciaram as ameaças que sofriam. Josias
afirmara: “Estamos morrendo, somos ameaçados, o governo de Mato Grosso é
conivente, a PM de Guariba protege eles, o Governo Federal é omisso, será que
eu vou ter que ser assassinado para que vocês acreditem e tomem providências?”.
Foram assassinados no município de Colniza (MT), em 16 de agosto de 2014, 11
dias depois da audiência. Em 2011, após o assassinato do casal Maria do
Espírito Santo e José Cláudio, em Nova Ipixuna, Pará, a CPT levou à Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República a relação de 1.855 pessoas que
haviam sofrido ameaças de morte entre os anos 2000 e 2011. Dessas, 42 haviam
sido assassinadas, 30 haviam sofrido tentativas de assassinato e 165 haviam
sofrido mais de uma ameaça. Entre 2012 até a presente data o número de pessoas
ameaçadas de morte somou 799. Dessas, 18 foram assassinadas, 22 sofreram
tentativas de assassinato e 124 sofreram ameaças mais de uma vez. As ameaças
atingem não somente os trabalhadores, mas também os que os apoiam. Das 799
pessoas ameaçadas, de 2012 até a presente data, 28 se encontravam na categoria
de agentes de pastoral, missionários ou religiosos. 16 são agentes da CPT.
Outros quatro ameaçados eram advogados e dois ambientalistas”, destaca o
documento da CPT.
MPF SOLICITA QUE AMEAÇADOS NO OESTE DO PARÁ
RECEBAM PROTEÇÃO: Em 2015, uma reunião aconteceu na sede do Ministério Público
Federal, em Santarém, para fazer encaminhamentos em relação às denúncias
apresentadas pela CPT.
De acordo com a CPT, na região oeste do Pará,
são dez pessoas, defensores de direitos humanos e do meio ambiente ameaçados de
morte em unidades de conservação, assentamentos de reforma agrária e uma terra
indígena. Para todos eles, apesar de requisitada pelo Ministério Público
Federal (MPF) e pela CPT, não tinha sido assegurada a inclusão no Programa
Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos.
O local com maior número de pessoas ameaçadas
é o Projeto de Assentamento Areia, nos municípios de Trairão e Itaituba, com
longo histórico de conflitos e mortes por exploração ilegal de madeira e
reconcentração de lotes da reforma agrária. O Areia se tornou porta de entrada
para madeireiros que fazem derrubadas ilegais na Floresta Nacional do Trairão e
na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio.
Quatro lideranças dessas áreas, que resistem
e denunciam as invasões dos madeireiros, sofrem ameaças graves e foram
incluídas no Programa Nacional de Proteção. Osvalinda Maria Marcelino Pereira,
Gessi da Silva Macedo, Antônio de Paula Silva e Daniel Alves Pereira recebem
ameaças de madeireiros desde que começaram a trabalhar com gestão florestal nos
seus territórios.
Situação parecida vivem os outros defensores.
Rosa Maria Moraes Viegas e Rosália Furtado do Ó estão no programa de proteção
desde 2009, quando lutaram e obtiveram a instalação da Reserva Extrativista
Renascer, em Prainha. São ameaçadas até hoje por madeireiros. Uma delas chegou
a ter a casa parcialmente queimada em um incêndio criminoso. Na Terra Indígena
Maró, em Santarém, que ainda não teve a demarcação concluída, é o cacique Odair
José Alves de Souza que sofre ameaças de madeireiros e precisa de proteção.
Em Monte Alegre e Alenquer a preocupação é
com lideranças de dois Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que tentam
proteger os assentados e a floresta do assédio de grileiros e madeireiros e por
isso têm as vidas ameaçadas. Luiz Paulo da Silva e Antônio Carlos Cruz vivem
com medo, como os demais defensores ameaçados, e não encontram apoio nas
autoridades de segurança pública.
Por: Edmundo Baía Júnior
Fonte: RG 15/O Impacto
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