Não se pode acusar de falta de talento
literário o juiz leigo Luiz Henrique da Fonseca Zaidan, do Juizado Especial
Cível do Rio de Janeiro, que virou notícia de jornal ao chamar de “solene
corno” o autor de uma ação por danos morais contra o amante de sua mulher. Em
seu projeto de sentença, prontamente homologado pelo juiz togado Paulo Mello
Feijó, Zaidan recorre ao Código Civil e Processo Civil, nomeia a Constituição
Federal, cita Flaubert e Machado de Assis, mas brilha mesmo é com suas próprias
formulações de fundo psicológico e social.
O caso é simples, ou como prefere o juiz
leigo, um caso clássico de traição conjugal: o marido pede à justiça que o
amante de sua mulher pague indenização por danos morais decorrentes da traição.
Reconhece que, como o adultério já não é crime, só restaria ao traído entrar
com ação cível.
Não satisfeito em negar o pedido e de passar
uma reprimenda no autor da ação, o juiz leigo se esmera em justificar a traição
nos tempos modernos. Explica, por exemplo, que tradicionalmente a traição
masculina é aceita, ao contrário da feminina: “Vale dizer que é cultural, no
Brasil, que os homens 'possam' trair e as mulheres (esposas) não — porque têm o
dever moral de serem 'santas' ou submissas, porque serão as mães dos filhos
deles”. Para ilustrar sua assertiva, serve-se de um ditado dos “tempos dos
senhores de engenho”: “Pais, prendam suas 'cabras' que meu 'bode' está solto”.
Para alívio geral, o juiz leigo admite que as
coisas mudaram e, a partir dessa constatação, passa a tecer a nova ordem
mundial nas relações conjugais: “A mulher está recuperando milhares de anos na
escravidão e dependência do homem”, afirma e reafirma: “O homem de hoje não é
mais o 'substrato econômico de uma fêmea insignificante'”.
Passando da teoria geral para o caso
concreto, ele diz o que acontece com um casal na meia idade, que parece ser o
caso do autor e sua mulher: “Com alguns homens, no início da 'meia idade', já
não tão viris, o corpo não mais respondendo de imediato ao comando
cerebral/hormonal e o hábito de querer a mulher 'plugada' 24h, começam a
descarregar sobre elas sua frustrações, apontando celulite, chamando-as de
GORDAS (pecado mortal) e deixando-lhes toda a culpa pelo seu pobre desempenho
sexual”.
Já a mulher moderna e liberada não reage hoje
como antigamente: “Mulheres, às vezes, já na pré-menopausa, quase livres do
'fantasma' da gravidez, no geral com mais tempo livre, com a revolução dos
hormônios, carência, fragilidade, desejam um sexo com maior frequência, melhor
qualidade e mais carinho — que não dure alguns minutos apenas, mas que se
inicie num olhar, num beijo, numa promessa para mais tarde — a arte da
conquista — o macho que mostra suas 'plumas' bem antes do acasalamento”.
Pronto, estão dadas e justificadas as
condições para a traição. “As mulheres se apaixonam e, principalmente, sentem o
'doce sabor da vingança' — meu marido não me quer, não me deseja, me acha uma
'baranga' — (azar dele!), mas o meu amante me olha com desejo, me quer — eu sou
um bom violino, há que se ter um bom músico para me fazer mostrar toda a música
que sou capaz de oferecer!!!!”
O marido traído, que antes matava o rival
para lavar a honra, agora simplesmente recorre ao Poder Judiciário: “Daí um dia
o marido relapso descobre que outro teve a sua mulher e quer matá-lo — ou seja,
aquele que tirou sua dignidade de marido, de posseiro e o transformou num solene
corno! Quer 'lavar a honra' num duelo de socos e agressões, isso nos séculos
passados, porém hoje acabam buscando o Poder Judiciário para resolver suas
falhas e frustrações pessoais”.
Para o juiz, seria melhor deixar a Justiça
fora disso. Melhor recorrer à literatura, como faz o meritíssimo, e consolar-se
com a história de Madame Bovary, clássico da literatura mundial escrito pelo
francês Gustave Flaubert, ou perpetuar a dúvida semeada por Machado de Assis
sobre a honestidade conjugal de Capitu no também clássico Dom Casmurro. E para
terminar a história, julga-se improcedente o pedido do autor, que como dito
acima, não passa de “solene corno”. Melhor ainda ler o original:
LEIA MAIS.
Por Maurício Cardoso
Fonte:
http://www.conjur.com.br/2009-out-16/juiz-justifica-traicao-conjugal-chama-marido-traido-solene-corno
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