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segunda-feira, 28 de julho de 2014

CANDIDATOS AO GOVERNO DO PARÁ RESPONDEM A PROCESSO NA JUSTIÇA.

Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal

O governador Simão Jatene, candidato à reeleição e Helder Barbalho, ex-prefeito de Ananindeuatamanho da fonte  diminuir o tamanho da fonte  aumentar o tamanho da fonte Imprimir E-mail


 O governador Simão Jatene, candidato à reeleição e Helder Barbalho, ex-prefeito de AnanindeuaO governador Simão Jatene, candidato à reeleição e Helder Barbalho, ex-prefeito de Ananindeua

O provável vencedor na disputa pelo governo do Pará, dentre os dois mais bem cotados até agora, está sendo processado pela justiça. Mesmo assim, nenhum deles é ficha suja. E poderá concluir o mandato sem ser importunados. Há possibilidade de um terceiro nome?

Os dois principais candidatos ao governo do Pará nesta eleição, que nas prévias são considerados com possibilidades reais de vitória, respondem a processo na justiça, conforme revela a anotação feita nos seus registros perante a justiça eleitoral. Mesmo assim, tudo indica que qualquer um dos dois poderá ser votado em outubro e logo depois, de novo, se houver 2º turno.

Não foram enquadrados na lei da ficha suja porque ainda estão protegidos por recursos não julgados das decisões que tiveram contra si na primeira instância da justiça. E se o ritmo da tramitação de processos, que seguem para o foro privilegiado das autoridades públicas, for o usual, poderão até cumprir seus mandatos por inteiro sem ser importunados.

Significa que se as restrições legais fossem mais rigorosas, nenhum deles poderia pretender chegar ao principal cargo público do Estado, circunstância que também existe entre os aspirantes à única vaga em disputa para o Senado. No Pará, a corrida senatorial é a mais concorrida de todo país. São 10 os pretendentes. E mesmo entre os vice-governadores a marca se aplica.

Três dos candidatos ao governo lideram coligações, as maiores já formadas numa eleição, o que mostra o grau de polaridade que se estabeleceu entre esses dois concorrentes. Outros três se apresentaram apenas por seus respectivos partidos políticos. Só um deles, José Carlos Lima, do PV, indicando disposição para entrar de fato na batalha em função do limite de gasto que apresentou para a sua campanha: cinco milhões de reais.

A corrupção no uso (e abuso) da máquina pública no Pará costuma ser associada ao senador Jader Barbalho (que tem mais quatro anos de mandato) e, por extensão, à sua família, beneficiária dos desvios de recursos do tesouro ou seu uso para enriquecimento ilícito de que ele é acusado, inclusive na justiça. Helder Barbalho, o mais jovem dos candidatos a governador, com 35 anos, administrador por formação acadêmica e ex-prefeito de Ananindeua, o segundo mais populoso município paraense, sofre os desgastes que seu sobrenome lhe acarreta.

Daí, sempre que possível, não aparecer ao lado do pai, embora ele seja o seu maior cabo eleitoral na coligação de 11 partidos liderada pelo PMDB. Mesmo sendo o político com a maior votação em disputas proporcionais, Jader também tem um alto índice de rejeição. Na última medição conhecida, sua rejeição só foi menor do que a da ex-governadora Ana Júlia Carepa e do ex-senador e ex-prefeito de Belém, Duciomar Costa.

Essa má fama tem sido intensamente explorada por seus adversários, principalmente o grupo Liberal de comunicação, que é também concorrente da rede RBA, da família Barbalho. Política e negócios se cruzam intensamente nessa disputa. O jornal O Liberal já publicou dezenas de editoriais, além de notas em colunas e reportagens, apontando o oponente com o maior símbolo da corrupção no Estado e no país. Os casos Sudam e Banpará, que teriam resultado em enriquecimento ilícito, são amplamente conhecidos em função dessas denúncias.

Além da herança incômoda do pai, Helder Barbalho carrega sua própria cota de indiciamento judicial, criada ao longo da sua precoce carreira política. Junto com seu vice, ele responde a processo na 5ª vara federal, por irregularidades na aplicação dos recursos da saúde durante o período em que foi prefeito de Ananindeua, entre 2004 e 2011. O processo, porém, ainda não foi julgado.

Mas esse e outros incidentes são terreno fecundo para novas acusações feitas sistematicamente pelo grupo Liberal. Helder foi apontado como favorecedor da conturbada Delta Construções na concorrência para a construção do estádio municipal. O então prefeito reagiu às matérias informando que o contrato fora cancelado e que nada chegou a ser pago à empresa. Nova licitação foi realizada e outra empresa empreiteira foi a vencedora.

Ele justificou os ataques do concorrente como represália por ter cobrado na justiça o pagamento do débito de IPTU, no valor de 200 mil reais, de Romulo Maiorana Júnior, por sua mansão no condomínio fechado Lago Azul.

Mas se o repertório de irregularidades que pesam sobre os Barbalho é grande e diversificado, o candidato apoiado pela família Maiorana, o tucano Simão Jatene, que pretende a reeleição pelo PSDB, numa coligação de 15 partidos, também responde a ação na justiça. Ela foi proposta contra ele e mais três auxiliares (Sérgio Leão, Tereza Cativo e Roberta Souza), que continuam na administração pública, em dezembro de 2004, quando Jatene exercia o seu primeiro mandato. As acusações contra o governador são de corrupção passiva, crimes contra a administração pública, crime contra a fé pública, crimes praticados por particular contra a administração em geral.

Foi o procurador geral da república, Cláudio Fonteles, que pediu ao Superior Tribunal de Justiça, o foro competente, a abertura de processo contra o governador. As provas foram reunidas durante a realização de uma operação conjunta da Polícia Federal, INSS, Receita Federal e dos ministérios públicos – federal e do trabalho – na fábrica da Cervejaria Paraense, em Belém.

O objetivo era verificar  denúncias de que a Cerpasa pagava “por fora” parte da remuneração dos seus funcionários. Se comprovados os fatos, significava que deixava de recolher as obrigações sociais e sonegava impostos. Os integrantes do grupo constataram também o subfaturamento dos produtos. Uma caixa com 24 garrafas de cerveja, que deveria ser faturada por R$ 21, viajava com nota fiscal de R$ 3. Havia caminhões que saíam de manhã com destino a Rondônia e voltavam logo depois, pagando menos ICMS (a alíquota nas operações interestaduais é menor). Por fim, os fiscais encontraram 300 mil reais em dinheiro vivo, sem registro contábil, o que caracterizaria o flagrante da operação de pagamento clandestino.

Nos documentos apreendidos também constava anotações sobre o pagamento de quatro milhões de reais para o caixa da campanha eleitoral do PSDB e R$ 12,5 milhões a intermediários que garantiriam a obtenção de “vultosos benefícios fiscais”, incluindo o perdão da dívida, então de R$ 47 milhões.

A anotação na memória de um dos quatro computadores apreendidos dizia textualmente: “Ajuda a campanha do Simão Jatene p/Governo, reunião feita com Dr. Sérgio Leão, Dr. Jorge, Sr. Seibel [fundador e dono da empresa], a partir de 30/08/02 (toda Sexta-feira), R$ 500.000, totalizando seis parcelas no final.”.

Conforme apuraram os agentes federais, a Cerpasa teria se comprometido a contribuir  com R$ 4 milhões para a campanha de Jatene, além de efetuar outros pagamentos até o total de R$ 12,5 milhões, perfazendo no final R$ 16,5 milhões. Os primeiros R$ 3 milhões teriam sido pagos em seis parcelas de R$ 500 mil – a última exatamente no dia da eleição, 3 de outubro. O R$ 1 milhão restante foi pago 21 dias depois.  A segunda parte do acerto, envolvendo R$ 12,5 milhões, conforme os registros feitos nos livros de contabilidade apreendidos na operação, foi paga em prestações durante do final do mandato de Almir Gabriel, que começou em 1999, e nos dois primeiros anos do governo do sucessor, em 2003 e 2004. A cota final de R$ 6 milhões foi parcelada em dez vezes – a última delas programada para agosto, depois da blitz dos órgãos federais.

A lenta instrução processual no STJ foi interrompida quando Jatene deixou o governo, em 2007, sendo substituído pelo também tucano Almir Gabriel  (que foi processado pelo PDT sob a acusação de uso da máquina pública em favor de Jatene, na eleição de 2002). O processo foi então remetido para a justiça federal em Belém, que nenhuma deliberação adotou. Com a volta de Jatene ao governo, em 2010, a ação retornou ao STJ, que é o foro dos governadores. Em dezembro ela completará 10 anos sem qualquer efeito prático. Tanto que o candidato do PSDB teve sua candidatura recebida pelo TRE.

Nenhum pagamento foi contabilizado como doação de campanha. O caminho era inteiramente clandestino. A saída de dinheiro foi camuflada como “despesa de mesas e cadeiras para postos de venda” ou “compra de brindes de fim de ano”. No final de agosto, a poucas semanas da eleição, a empresa repassou R$ 202 mil para a campanha tucana. A rubrica utilizada foi “patrocínio das festividades do Círio de Nazaré”. A cervejaria nem foi citada na prestação de contas sobre os doadores para a campanha de Jatene, que se limitaram a três: o PSDB entrou com R$ 2,5 milhões e duas pequenas empresa com R$ 32 mil.

Nove meses depois de assumir o governo, Jatene assinou três decretos num único dia, em 2003, concedendo à Cerpasa um desconto de 95% no ICMS devido ao Estado e prorrogando seus benefícios fiscais por mais 12 anos. Outras 37 empresas também receberam os benefícios.

Como toda grande empresa (para os padrões locais), empenhada em pagar menos imposto do que o obrigatório legalmente ou conseguir mais vantagens oficiais do que o devido, a Cerpa não favoreceu apenas o PSDB. Uma “doação mensal” regular era feita ao deputado estadual e radialista Luis Eduardo Anaice, do PMDB e funcionário da TV RBA, da família Barbalho. Numa iniciativa rara nesse tipo de transação, ilegal, mas contumaz, o deputado agradecia e ainda passava recibo, através do seu chefe de gabinete, Fernando França.

Em outubro de 2008 Delmo da Silva Bahia ajuizou ação popular para desfazer os benefícios concedidos à Cerpasa, dando o valor de quase R$ 1,4 bilhão. Mas nada de prático resultou dessa iniciativa.

Simão Jatene entrou para a vida pública em 1983 como secretário de planejamento do governador Jader Barbalho, a quem acompanhou até se passar do PMDB para o nascente PSDB. Ocupou os cargos mais importantes durante os oito anos do governo do médico Almir Gabriel, entre 1995 e 2002. Já como governador, passou à condição de processado pela justiça. Retomou o cargo em 2011 e agora, aos 65 anos, ainda é réu primário porque nenhuma decisão foi tomada no processo a que responde por corrupção. Nem no dele nem nos de Jader Barbalho, que começaram em 1985, em cascata, perante as justiças estadual e federal.

Ambos se dizem injustiçados. Mas, ao invés de procurarem acelerar os processos, enriquecendo-os de provas capazes de desfazer as acusações, parecem mais interessados em procrastinar as decisões, o que levará ao desfecho de quase sempre nos casos de crimes de colarinho branco: a prescrição, com o fim da possibilidade de punição pelo aparelho estatal.

A importância do processo instaurado contra o governador está em que pela primeira vez foram reunidas provas sobre o funcionamento da engrenagem de movimentação das campanhas eleitorais, através da promiscuidade da máquina privada com o aparato público. Sabe-se que esse esquema existe e é colocado para funcionar em todas as eleições. Mas é extremamente difícil monitorá-lo. E mais raro ainda: coletar provas materiais desse mecanismo clandestino de manipulação e fraude.

Embora sempre surpreenda, já não assusta verificar que políticos processados, presos e execrados continuem a comandar as estruturas do poder público que deveria expurgá-los dessas posições. A eleição de 2014 não mudará essa péssima moral.



Publicado em Política    

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