O
governador Simão Jatene, candidato à reeleição e Helder Barbalho, ex-prefeito
de AnanindeuaO governador Simão Jatene, candidato à reeleição e Helder
Barbalho, ex-prefeito de Ananindeua
O provável vencedor na disputa pelo governo
do Pará, dentre os dois mais bem cotados até agora, está sendo processado pela
justiça. Mesmo assim, nenhum deles é ficha suja. E poderá concluir o mandato
sem ser importunados. Há possibilidade de um terceiro nome?
Os dois principais candidatos ao governo do
Pará nesta eleição, que nas prévias são considerados com possibilidades reais
de vitória, respondem a processo na justiça, conforme revela a anotação feita
nos seus registros perante a justiça eleitoral. Mesmo assim, tudo indica que
qualquer um dos dois poderá ser votado em outubro e logo depois, de novo, se
houver 2º turno.
Não foram enquadrados na lei da ficha suja
porque ainda estão protegidos por recursos não julgados das decisões que
tiveram contra si na primeira instância da justiça. E se o ritmo da tramitação
de processos, que seguem para o foro privilegiado das autoridades públicas, for
o usual, poderão até cumprir seus mandatos por inteiro sem ser importunados.
Significa que se as restrições legais fossem
mais rigorosas, nenhum deles poderia pretender chegar ao principal cargo
público do Estado, circunstância que também existe entre os aspirantes à única
vaga em disputa para o Senado. No Pará, a corrida senatorial é a mais
concorrida de todo país. São 10 os pretendentes. E mesmo entre os
vice-governadores a marca se aplica.
Três dos candidatos ao governo lideram coligações,
as maiores já formadas numa eleição, o que mostra o grau de polaridade que se
estabeleceu entre esses dois concorrentes. Outros três se apresentaram apenas
por seus respectivos partidos políticos. Só um deles, José Carlos Lima, do PV,
indicando disposição para entrar de fato na batalha em função do limite de
gasto que apresentou para a sua campanha: cinco milhões de reais.
A corrupção no uso (e abuso) da máquina
pública no Pará costuma ser associada ao senador Jader Barbalho (que tem mais
quatro anos de mandato) e, por extensão, à sua família, beneficiária dos
desvios de recursos do tesouro ou seu uso para enriquecimento ilícito de que
ele é acusado, inclusive na justiça. Helder Barbalho, o mais jovem dos
candidatos a governador, com 35 anos, administrador por formação acadêmica e
ex-prefeito de Ananindeua, o segundo mais populoso município paraense, sofre os
desgastes que seu sobrenome lhe acarreta.
Daí, sempre que possível, não aparecer ao
lado do pai, embora ele seja o seu maior cabo eleitoral na coligação de 11
partidos liderada pelo PMDB. Mesmo sendo o político com a maior votação em
disputas proporcionais, Jader também tem um alto índice de rejeição. Na última
medição conhecida, sua rejeição só foi menor do que a da ex-governadora Ana
Júlia Carepa e do ex-senador e ex-prefeito de Belém, Duciomar Costa.
Essa má fama tem sido intensamente explorada
por seus adversários, principalmente o grupo Liberal de comunicação, que é
também concorrente da rede RBA, da família Barbalho. Política e negócios se cruzam
intensamente nessa disputa. O jornal O Liberal já publicou dezenas de
editoriais, além de notas em colunas e reportagens, apontando o oponente com o
maior símbolo da corrupção no Estado e no país. Os casos Sudam e Banpará, que
teriam resultado em enriquecimento ilícito, são amplamente conhecidos em função
dessas denúncias.
Além da herança incômoda do pai, Helder
Barbalho carrega sua própria cota de indiciamento judicial, criada ao longo da
sua precoce carreira política. Junto com seu vice, ele responde a processo na
5ª vara federal, por irregularidades na aplicação dos recursos da saúde durante
o período em que foi prefeito de Ananindeua, entre 2004 e 2011. O processo,
porém, ainda não foi julgado.
Mas esse e outros incidentes são terreno
fecundo para novas acusações feitas sistematicamente pelo grupo Liberal. Helder
foi apontado como favorecedor da conturbada Delta Construções na concorrência
para a construção do estádio municipal. O então prefeito reagiu às matérias
informando que o contrato fora cancelado e que nada chegou a ser pago à
empresa. Nova licitação foi realizada e outra empresa empreiteira foi a
vencedora.
Ele justificou os ataques do concorrente como
represália por ter cobrado na justiça o pagamento do débito de IPTU, no valor
de 200 mil reais, de Romulo Maiorana Júnior, por sua mansão no condomínio
fechado Lago Azul.
Mas se o repertório de irregularidades que
pesam sobre os Barbalho é grande e diversificado, o candidato apoiado pela
família Maiorana, o tucano Simão Jatene, que pretende a reeleição pelo PSDB,
numa coligação de 15 partidos, também responde a ação na justiça. Ela foi
proposta contra ele e mais três auxiliares (Sérgio Leão, Tereza Cativo e
Roberta Souza), que continuam na administração pública, em dezembro de 2004,
quando Jatene exercia o seu primeiro mandato. As acusações contra o governador
são de corrupção passiva, crimes contra a administração pública, crime contra a
fé pública, crimes praticados por particular contra a administração em geral.
Foi o procurador geral da república, Cláudio
Fonteles, que pediu ao Superior Tribunal de Justiça, o foro competente, a
abertura de processo contra o governador. As provas foram reunidas durante a
realização de uma operação conjunta da Polícia Federal, INSS, Receita Federal e
dos ministérios públicos – federal e do trabalho – na fábrica da Cervejaria
Paraense, em Belém.
O objetivo era verificar denúncias de que a Cerpasa pagava “por fora”
parte da remuneração dos seus funcionários. Se comprovados os fatos,
significava que deixava de recolher as obrigações sociais e sonegava impostos.
Os integrantes do grupo constataram também o subfaturamento dos produtos. Uma
caixa com 24 garrafas de cerveja, que deveria ser faturada por R$ 21, viajava
com nota fiscal de R$ 3. Havia caminhões que saíam de manhã com destino a
Rondônia e voltavam logo depois, pagando menos ICMS (a alíquota nas operações
interestaduais é menor). Por fim, os fiscais encontraram 300 mil reais em
dinheiro vivo, sem registro contábil, o que caracterizaria o flagrante da operação
de pagamento clandestino.
Nos documentos apreendidos também constava
anotações sobre o pagamento de quatro milhões de reais para o caixa da campanha
eleitoral do PSDB e R$ 12,5 milhões a intermediários que garantiriam a obtenção
de “vultosos benefícios fiscais”, incluindo o perdão da dívida, então de R$ 47
milhões.
A anotação na memória de um dos quatro
computadores apreendidos dizia textualmente: “Ajuda a campanha do Simão Jatene
p/Governo, reunião feita com Dr. Sérgio Leão, Dr. Jorge, Sr. Seibel [fundador e
dono da empresa], a partir de 30/08/02 (toda Sexta-feira), R$ 500.000,
totalizando seis parcelas no final.”.
Conforme apuraram os agentes federais, a
Cerpasa teria se comprometido a contribuir
com R$ 4 milhões para a campanha de Jatene, além de efetuar outros
pagamentos até o total de R$ 12,5 milhões, perfazendo no final R$ 16,5 milhões.
Os primeiros R$ 3 milhões teriam sido pagos em seis parcelas de R$ 500 mil – a
última exatamente no dia da eleição, 3 de outubro. O R$ 1 milhão restante foi
pago 21 dias depois. A segunda parte do
acerto, envolvendo R$ 12,5 milhões, conforme os registros feitos nos livros de
contabilidade apreendidos na operação, foi paga em prestações durante do final
do mandato de Almir Gabriel, que começou em 1999, e nos dois primeiros anos do
governo do sucessor, em 2003 e 2004. A cota final de R$ 6 milhões foi parcelada
em dez vezes – a última delas programada para agosto, depois da blitz dos
órgãos federais.
A lenta instrução processual no STJ foi
interrompida quando Jatene deixou o governo, em 2007, sendo substituído pelo
também tucano Almir Gabriel (que foi
processado pelo PDT sob a acusação de uso da máquina pública em favor de
Jatene, na eleição de 2002). O processo foi então remetido para a justiça
federal em Belém, que nenhuma deliberação adotou. Com a volta de Jatene ao
governo, em 2010, a ação retornou ao STJ, que é o foro dos governadores. Em
dezembro ela completará 10 anos sem qualquer efeito prático. Tanto que o
candidato do PSDB teve sua candidatura recebida pelo TRE.
Nenhum pagamento foi contabilizado como
doação de campanha. O caminho era inteiramente clandestino. A saída de dinheiro
foi camuflada como “despesa de mesas e cadeiras para postos de venda” ou
“compra de brindes de fim de ano”. No final de agosto, a poucas semanas da
eleição, a empresa repassou R$ 202 mil para a campanha tucana. A rubrica
utilizada foi “patrocínio das festividades do Círio de Nazaré”. A cervejaria
nem foi citada na prestação de contas sobre os doadores para a campanha de
Jatene, que se limitaram a três: o PSDB entrou com R$ 2,5 milhões e duas
pequenas empresa com R$ 32 mil.
Nove meses depois de assumir o governo,
Jatene assinou três decretos num único dia, em 2003, concedendo à Cerpasa um
desconto de 95% no ICMS devido ao Estado e prorrogando seus benefícios fiscais
por mais 12 anos. Outras 37 empresas também receberam os benefícios.
Como toda grande empresa (para os padrões
locais), empenhada em pagar menos imposto do que o obrigatório legalmente ou
conseguir mais vantagens oficiais do que o devido, a Cerpa não favoreceu apenas
o PSDB. Uma “doação mensal” regular era feita ao deputado estadual e radialista
Luis Eduardo Anaice, do PMDB e funcionário da TV RBA, da família Barbalho. Numa
iniciativa rara nesse tipo de transação, ilegal, mas contumaz, o deputado
agradecia e ainda passava recibo, através do seu chefe de gabinete, Fernando
França.
Em outubro de 2008 Delmo da Silva Bahia
ajuizou ação popular para desfazer os benefícios concedidos à Cerpasa, dando o
valor de quase R$ 1,4 bilhão. Mas nada de prático resultou dessa iniciativa.
Simão Jatene entrou para a vida pública em
1983 como secretário de planejamento do governador Jader Barbalho, a quem
acompanhou até se passar do PMDB para o nascente PSDB. Ocupou os cargos mais
importantes durante os oito anos do governo do médico Almir Gabriel, entre 1995
e 2002. Já como governador, passou à condição de processado pela justiça.
Retomou o cargo em 2011 e agora, aos 65 anos, ainda é réu primário porque
nenhuma decisão foi tomada no processo a que responde por corrupção. Nem no
dele nem nos de Jader Barbalho, que começaram em 1985, em cascata, perante as justiças
estadual e federal.
Ambos se dizem injustiçados. Mas, ao invés de
procurarem acelerar os processos, enriquecendo-os de provas capazes de desfazer
as acusações, parecem mais interessados em procrastinar as decisões, o que
levará ao desfecho de quase sempre nos casos de crimes de colarinho branco: a
prescrição, com o fim da possibilidade de punição pelo aparelho estatal.
A importância do processo instaurado contra o
governador está em que pela primeira vez foram reunidas provas sobre o
funcionamento da engrenagem de movimentação das campanhas eleitorais, através
da promiscuidade da máquina privada com o aparato público. Sabe-se que esse
esquema existe e é colocado para funcionar em todas as eleições. Mas é
extremamente difícil monitorá-lo. E mais raro ainda: coletar provas materiais
desse mecanismo clandestino de manipulação e fraude.
Embora sempre surpreenda, já não assusta
verificar que políticos processados, presos e execrados continuem a comandar as
estruturas do poder público que deveria expurgá-los dessas posições. A eleição
de 2014 não mudará essa péssima moral.
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