O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em
Altamira a 22a ação judicial contra a usina de Belo Monte, pelo descumprimento
das condicionantes que deveriam evitar e compensar os impactos da usina às 9
etnias atingidas. A situação da Fundação Nacional do Índio em Altamira é de
caos, com metade dos servidores que deveria ter para atender a sobrecarga
causada pelos impactos do empreendimento e funcionando em uma sede provisória
dentro da Universidade Federal do Pará (UFPA), sem banheiro, nem telefone.
Os graves problemas fizeram com que a
Fundação reconhecesse, por escrito, ao MPF, que as obrigações com os povos
indígenas não estão sendo cumpridas, o que deveria acarretar a suspensão da
licença da usina. Mas nenhuma medida concreta foi tomada. Por isso, o MPF quer
que a Justiça reconheça a situação e obrigue os réus (governo, Funai e Norte
Energia) a concretizar 8 medidas fundamentais, no prazo de 60 dias, sob pena de
suspensão compulsória das licenças ambientais. O MPF também pede que não seja
concedida licença de operação em caso de descumprimento.
A situação das populações indígenas atingidas
por Belo Monte no médio rio Xingu é considerada insustentável pelo MPF. Os
compromissos e obrigações previstos desde 2010 para evitar e compensar os
impactos não foram cumpridos até hoje. A ação enumera os graves prejuízos.
“Presença constante dos índios na cidade, em
locais provisórios e degradantes; ruptura completa da capacidade produtiva e
alimentar; conflitos sociais, divisão de aldeias e deslegitimação das
lideranças; vulnerabilidade extrema, com aumento do alcoolismo, consumo de
drogas e violência sexual contra menores; modificação radical dos hábitos
alimentares; surgimento de novas doenças, como diabetes, obesidade e
hipertensão; super produção de lixo nas aldeias; vulnerabilidade das terras
indígenas; diminuição da oferta de recursos naturais; conflitos interétnicos;
impedimento do usufruto de seus territórios e desestímulo às atividades
tradicionais. Esses são apenas alguns exemplos do que Belo Monte representa
hoje aos povos indígenas do médio Xingu.”
Uma perícia do MPF no prédio da Funai em
Altamira comprovou a situação calamitosa: são apenas 24 funcionários efetivos
para atender uma área de quase 6 milhões de hectares, 37 aldeias, 9 etnias e 8
municípios. Como o atendimento de saúde continua precário nas aldeias, dezenas
de índios permanecem em Altamira, vivendo nas varandas do prédio provisório. “O
espaço físico é exíguo, inadequado e sem manutenção, encravado no meio do
campus da UFPA em Altamira, ocupado permanentemente por indígenas alojados nas
varandas, por não terem onde ficar em Altamira. Não há sequer um sanitário! O
telefone fixo não funciona e quando tem que se comunicar os servidores tem que
usar seus telefones celulares pessoais. Equipamentos insuficientes e obsoletos.
Veículos terrestres e aquáticos abandonados, sem manutenção, amontoados na área
externa”, diz o laudo pericial do MPF.
Para o MPF, a incapacidade do poder público
de obrigar o cumprimento das condicionantes e de, nos casos de descumprimento,
aplicar as punições necessárias levou a Norte Energia a controlar totalmente o
processo de licenciamento ambiental. “O empreendedor reescreve suas obrigações
e implementa políticas anômalas, sem o devido controle da Funai, incapacitada
que está de cumprir sua missão institucional e de fazer valer as normas deste
licenciamento”, constata o MPF.
“A Norte Energia recusa-se a cumprir suas obrigações
e as reescreve como se soberana fosse. O poder público faz supor que, dentre
suas escolhas políticas, inclui-se a opção de desprezo às normas do devido
processo de licenciamento. E a Funai se omite de seu dever de proteger os povos
indígenas e de fiscalizar a implementação do componente indígena deste
licenciamento”, concluem os procuradores da República Thais Santi, Cinthia
Arcoverde, Higor Rezende Pessoa, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr,
signatários da ação judicial.
Além do caos na sede de Altamira, a
insuficiência de recursos impede a Funai de fiscalizar as ações das
subcontratadas da Norte Energia para obras na aldeia. Foram enviados operários
para as aldeias para construção de casas sem nenhuma supervisão e há denúncias
de violência sexual contra indígenas. As casas não obedeceram nenhum cuidado
antropológico para se adequar aos costumes dos povos indígenas e muitas
permanecem vazias por serem quentes demais para a região. O MPF teme que, nos
próximos meses, novos problemas surjam nas aldeias com o início das obras nas
estruturas de saúde e educação, novamente sem supervisão.
“É inegável que, sem as ações indispensáveis
para que a região suportasse os impactos de sua instalação, o custo
socioambiental de Belo Monte está sendo transferido, de maneira ilegal, aos
atingidos. E, considerando que a implementação do componente indígena sempre
foi o ponto mais sensível das discussões que se travaram, desde a década de 80,
em torno deste projeto, eventual alegação de reserva do possível por parte do
governo federal implica no reconhecimento de sua incapacidade para a realização
de uma obra com um grau de impacto dessa magnitude. O que imporia o
reconhecimento da inviabilidade da usina”, dizem os procuradores da República.
A ação tramita na Vara Federal de Altamira e
pede que o governo, a Funai e a Norte Energia sejam obrigados a apresentar, em
30 dias um plano para implementar, em outros 60 dias, as seguintes ações de
compensação aos índios pelos impactos de Belo Monte:
1. Definição sobre a locação de sede
provisória para a Funai em Altamira;
2. Definição do imóvel para abrigar a sede
definitiva da Funai em Altamira, que deverá considerar o vínculo histórico que
os indígenas guardam com o imóvel atual, e com a proximidade do rio Xingu;
3. Cronograma para as obras de construção da
sede definitiva da Funai em Altamira pelo empreendedor;
4. Relatório detalhado, apresentado pela
Funai, sobre a demanda de servidores a serem lotados na Funai em Altamira e em
Brasília, para que o órgão indigenista esteja capacitado para atuar na região
da UHE Belo Monte, que deverá levar em consideração a análise já realizada pela
Coordenação Regional;
5. Relatório e cronograma para adequação da
dotação orçamentária da Funai em Altamira, de modo a garantir a sua capacidade
de ação;
6. Termo de Compromisso, a ser celebrado
entre Funai e Norte Energia, ou outro instrumento apto a fazer cumprir o
disposto no Parecer Técnico n. 21/ Funai/BeloMonte/2009, consistente em
“contribuir para a melhoria da estrutura (com apoio financeiro e de equipe
técnica adequada), da Funai, para que possa efetuar, em conjunto com os outros
órgãos federais (Ibama, ICMbio, Incra entre outros) a gestão e controle
ambiental e territorial da região, bem como acompanhamento das ações referentes
ao Processo”;
7. Cronograma, apresentado pela União,
prevendo a realização de concurso público para contratação de servidores pelo
Poder Público para atuar na Funai em Altamira e Brasília, diretamente
vinculados ao processo de Belo Monte;
8. Edital de convocação de processo seletivo
simplificado, para contratação pela Funai de no mínimo 34 servidores para atuar
em Altamira, com recursos repassados pelo empreendedor, o qual deverá
contemplar a contratação imediata de funcionários para atuar face à demanda excepcional
que o empreendimento de Belo Monte impôs à região, até que sejam contratados
servidores públicos efetivos, segundo Plano de Ação e cronograma apresentado
pelo Poder Público;
Processo no. 0002694-14.2014.4.01.3903
Íntegra da ação
Fonte: MPF – Ministério Público Federal
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