Em 1985, apostando no fim do arbítrio, milhares saíram às ruas no movimento “Diretas-Já”, que não logrou êxito em um Congresso ainda servil à ditadura militar. Em 1989, morta a ditadura, o Brasil realizou eleição direta para presidente da República.
Em 1992, os estudantes foram às ruas pedir o impeachment do presidente Collor. O movimento ficou conhecido como os “Caras-pintadas”.
Em 1999, contra a política econômica e as privatizações promovidas pelo governo FHC, o Brasil foi palco do maior movimento generalizado desde as “Diretas-já”.
O “Fora FHC”, liderado pelo PT e PDT, dividia a oposição entre os que pediam o impeachment e os que queriam a renúncia de FHC. Outros pregavam que o Congresso Nacional deveria, simplesmente, decretar o fim do mandado do presidente da República.
O “Fora FHC”, afirma o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), era discutido politicamente. Hoje, opina, há “raiva”.
Arrisco uma explicação: o “Fora FHC” era conduzido por políticos. Hoje, embora articulado politicamente, o movimento é de massa e essas se deslocam por paixão. Turbina o mau humor, o esgotamento do sistema político atual, que insiste em não perceber que necrosou, aliado à futebolística dualidade PT-PSDB que se instalou na nação.
Em 2013 o Brasil viu o maior movimento de rua da sua história: o “Levante de Junho”.
Ter esquecido aquela convulsão tão logo arrefeceu foi um erro da intelligentsiaestabelecida. Outro erro foi achar que o movimento era difuso: o status quoqueria uma pauta tradicional (!!) e não percebeu que ela estava escrita nos milhares de cartazes portados pela turba.
Insisto na tese de que nós, os políticos, somos chorume de um sistema necrosado. Se continuarmos produzindo fedor, pronto virá o dia em que a cabeça que portamos será separada do pescoço que a sustenta com temerária e insensata resiliência.
Ontem, 15 de março, segundo informes das policias militares, foram às ruas de 1,5 milhão a 2 milhões de pessoas. Cerca de 1 milhão se concentrou na cidade de São Paulo e o restante marcharam em, pelos menos, 23 estados e no DF.
Pelo menos ou pelo mais, não é lícito dizer que os protestos são da elite. Olhar o movimento dessa forma é agir como o pior cego do ditado: o que não quer ver.
Na pauta há um déjà vu de 1999, mas há um elemento de alta octanagem acrescido hoje, que é a percepção apurada da corrupção. Embora proceda, é inodoro alegar que, da mesma forma, roubos havia antanho, pois o mundo, cada vez mais, é o agora. Como o moinho se move com a água imediata, é essa que mata a sede do povo.
Se mais uma vez a classe política insistir em reduzir os protestos aos elementos de classe, como se a insatisfação popular fosse uma pirâmide com câimbra, só adiará o anseio para um próximo capítulo que tende a se avolumar: a multidão se despediu prometendo voltar em abril.
A Nova República é natimorta porque concebida no ventre do patrimonialismo, primo-irmão da ditadura, apenas vestido em trajes civis. O Brasil precisa inaugurar a transparência democrática, através de um sistema republicano eficaz. Para isso não é necessário provar a quadratura do círculo. Basta que todos, eu disse todos, façam a coisa certa. E sabemos, perfeitamente, do certo o errado distinguir, mesmo porque esses princípios não são sistemáticos, mas filosóficos e naturais.
Tanto sabemos diferenciar o certo do errado, que o joio podre e bêbado que prega a volta da ditadura não se consegue misturar ao trigo que cresce na afirmação da democracia e se isola no seu próprio anacronismo.
Portanto, viva a democracia!
http://pjpontes.blogspot.com.br/2015/03/a-democracia-acossa-politica.html
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