Thomas Hobbes dizia que precisamos do Estado porque somos
incapazes de regular a nós mesmos. Ao governante caberia criar regras e punir
indivíduos movidos por dois tipos de paixões: a esperança e o medo.
A definição foi feita em uma palestra recente pela professora
de Ética da Unicamp Yara Frateschi (a íntegra está neste link:
http://migre.me/pfy8W). O tema do encontro era a atualidade do livro O Leviatã,
de Hobbes, na sociedade contemporânea. Segundo a estudiosa, embora Hobbes não
contasse com a ideia de solidariedade entre os indivíduos, o ódio, que cria
aversão ao outro e pede seu afastamento por meio do extermínio, é ainda uma
doença nos dias de hoje. Seus sintomas são apresentados como ações ou discursos
comuns em nosso convívio. Por exemplo, nos debates em torno da PEC que acaba de
ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e abre caminho
para a redução da maioridade penal no País.
A proposta é, grifo meu, uma prova cabal da nossa capacidade
de enxugar gelo diante de questões sobre as quais não conseguimos sequer
dialogar. Se soubéssemos, prestaríamos atenção nos dados trazidos por Frateschi
no mesmo encontro. Há, na opinião pública em geral, uma impressão equivocada de
que as pessoas que temem ser encarceradas são menos propícias a cometer crimes.
Para os defensores da proposta, a redução da maioridade penal
evitaria que jovens entre 16 e 18 anos, supostamente inimputáveis, fossem
aliciados por criminosos adultos para cometerem o crime por eles (como se o
encarceramento em instituições como a antiga Febem não fosse, por si, a porta
de entrada, e não de saída, do crime). Pela lógica, os aliciados do lado de
fora passam a ser os jovens menores de 16 anos. Quem se importa?
De volta à palestra de Frateschi: desde o início dos anos
1900 a população carcerária brasileira mais do que triplicou, lembrou a
professora, mas isso não foi suficiente para a redução de homicídios. Pelo
contrário.
Vai ver prendemos as pessoas erradas, diriam os apressados,
já preparando os cangotes dos jovens infratores. Mas estes estão condenados
antes da CCJ: somente em 2012, 56 mil pessoas foram assassinadas no país; a
maioria das vítimas era jovem (30 mil) e negra (77%).
Segundo a Unicef, dos 21 milhões de adolescentes brasileiros,
apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Os jovens, portanto, são as vítimas,
e não os responsáveis pela violência, conclui Frateschi.
Então por que os números não nos sensibilizam diante da questão?
Para responder, a professora busca em Hobbes a noção de indivíduos
individualistas que padecem de uma “limitação moral profunda” causada pelo
princípio do benefício próprio.
Esses indivíduos, descreve ela, não identificam, para além
dos seus interesses e utilidades, o outro como alguém com uma história de vida.
Por isso, afirma, não nos sensibilizamos quando alguém passa cinco anos detido
porque roubou um celular: entre ele e o aparelho, preferimos o aparelho.
Matheus Pichonelli – ter, 31 de mar de 2015
Blog do Matheus
Pichonelli
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