Lula foi ao Rio de Janeiro na noite desta
terça-feira para estrelar um “ato em defesa da Petrobras”. Ao discursar, fez o
que os presidentes americanos costumam fazer quando precisam unir a nação em
seu apoio: declarou guerra ao inimigo. “Eu quero paz e democracia, mas se eles
querem guerra, eu sei lutar também.'' Provou que falava sério. Armado do
microfone, fez sua primeira vítima. Fulminou a semântica.
Ao insinuar que a Petrobras virou escândalo
pelas mãos de uma “elite que não se conforma com a ascensão dos mais pobres”,
Lula deixou claro que o Brasil vive uma crise de significado. Mostrou que a
crise é terminal ao dizer que irá às ruas para “defender a Petrobras e a
reforma política”. Considerando-se que o orador avalizou as nomeações dos
petrogatunos e governou por oito anos com o apoio de sarneys, renans, collors e
malufs, fica claro que o vocábulo “significado” perdeu o significado.
O correto, se as palavras ainda valessem
alguma coisa, seria Lula pedir perdão por ter levado a Petrobras ao balcão da
baixa política. Mas como qualquer coisa quer dizer qualquer coisa, Lula chama o
crime de “caca” e sai de fininho: “Que vergonha eu posso ter se, no meio de uma
família de 86 mil pessoas, uma pessoa comete um erro, faz uma caca. […] Não
podemos jogar a Petrobras fora por causa de meia dúzia de pessoas ou 50 pessoas.''
O razoável, se a semântica não estivesse na
UTI, seria Lula expiar o pecado de ter deflagrado a sangria que levou a
Petrobras a perder o grau de investimento que fazia dela um porto seguro para
quem quisesse investir. Mas como nada mais quer dizer coisa nenhuma, na hora em
que a agência Moody’s dava a má notícia, Lula jactava-se: “Tenho orgulho da
maior capitalização do capitalismo mundial, que foi a capitalização da
Petrobras, que se tornou uma das empresas mais importantes do mundo.”
Lula sustenta que “eles” —eufemismo para FHC
e a mídia golpista— “continuam fazendo hoje o que sempre fizeram antes. A ideia
básica é criminalizar antes, tornar bandido antes de ser investigado e
julgado.” Pessoas que não sabiam de nada, como ele e Dilma, são tratadas com base
na “tal da teoria do domínio do fato. […] É o pressuposto de que a mãe tem que
saber que o filho é drogado ou não foi bem na escola e o boletim dele está
ruim.”
Para não dizer que Lula é um cínico, deve-se
deduzir que ele é apenas mais uma vítima da crise de semântica. Alguém que
chama o mensalão de fábula tem imunidade para comparar ladrões a filhos
desgarrados e seus padrinhos a mães relapsas. É isso ou Lula adotou para se
isentar de responsabilidade o velho adágio segundo o qual não se faz omelete sem
quebrar os ovos. A frase aniquila qualquer princípio ético. Mas absolve tudo,
do “Paulinho” manejando contratos ao Vaccari operando a caixa registradora.
Lula aconselhou Dilma Rousseff a levantar a
cabeça. Apresentou-se como exemplo: “Sou filho de uma mulher analfabeta, de um
pai analfabeto. E o mais importante legado que minha mãe deixou foi o direito
de eu andar de cabeça erguida. E ninguém vai fazer eu baixar a cabeça neste
país. Honestidade não é mérito, é obrigação.”
É reconfortante saber que Lula não perdeu a
fronte alta que traz do berço. Com alguma sorte, ainda vai cruzar com um
espelho qualquer hora dessas. E talvez perceba que a crise semântica fez dele
um personagem sem nexo. (abaixo, o discurso do “guerreiro'')
Josias de Souza 25/02/2015 03:52
Nenhum comentário:
Postar um comentário